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A Assembléia Legislativa do Paraná aprovou ontem, em terceira discussão, projeto de autoria do deputado Ademar Traiano (PSDB) que veda a instauração de quaisquer procedimentos administrativos fundamentados em denúncias anônimas contra servidores dos três poderes da esfera estadual. A tradução é a seguinte: irregularidades praticadas no âmbito do serviço público só serão conhecidas e seus autores, punidos, se houver denunciante com coragem suficiente para comparecer diante dos órgãos responsáveis pela investigação devidamente munido de sua carteira de identidade e disposto a sofrer as conseqüências.

Erra a Assembléia Legislativa de duas maneiras. Primeiro, porque o anonimato é vedado pela própria Constituição em seu artigo 5.º e é também devidamente tratado pelos códigos Civil, Penal e de Processo Penal, além de muitos outros dispositivos federais infraconstitucionais. Logo, em tese, o projeto aprovado "chove no molhado", o que revela a fragilidade do assessoramento jurídico prestado aos senhores deputados – ou, o que é mais plausível e pior, que nossos parlamentares não lhe dão importância quando se trata de defender seus próprios interesses.

É nesse ponto que entra o segundo erro cometido por Suas Excelências, pois é visível a intenção implícita de criar mais um meio de autoproteção, extensivo aos membros dos demais poderes constituídos. Já não lhes basta contar com o foro privilegiado – aquele tão combatido instituto legal que faz das autoridades públicas cidadãos especiais sobre os quais não podem recair os procedimentos reservados aos cidadãos comuns, relegados à segunda classe. Coisa, aliás, que uma emenda aposta ao projeto original, de autoria do deputado Marcelo Rangel, embora bem-intencionada, deixa mais claro: o anonimato só será aceito para efeitos legais nos serviços de disque-denúncia, normalmente dedicados a receber informações sobre pequenos traficantes ou viciados em drogas.

Há ainda uma outra questão que não deveria ter sido ignorada pelos deputados: os tribunais superiores têm firmado vasta jurisprudência sobre a validade das denúncias anônimas, interpretando corretamente o espírito – e não a letra – das vedações impostas pela Constituição. Na verdade, quiseram os legisladores constituintes impedir abusos e evitar a impunidade dos autores de delações caluniosas contra o patrimônio moral de outras pessoas. Ao exigir sua identificação, pretende-se submeter o autor de falsas imputações às conseqüências jurídicas derivadas do abuso.

Entretanto, os mesmos tribunais superiores invocam o princípio da razoabilidade, lembrando que nada impede que a autoridade, ao receber denúncia de autor desconhecido, tome medidas destinadas à apuração prévia dos fatos supostamente delituosos e, se verificados indícios de verossimilhança, dar início aos procedimentos investigatórios formais.

O projeto paranaense, no entanto, não contempla o princípio da razoabilidade aconselhada pela jurisprudência brasileira. Ao contrário, é imperativo na proibição de sequer iniciar investigações caso as informações iniciais provenham de fonte não identificada. Trata-se de um visível intento de desencorajar servidores, geralmente subalternos e portanto vulneráveis aos métodos usuais de assédio moral ou à demissão, a revelar desvios éticos na administração pública.

Lembre-se, a respeito, alguns episódios recentes ocorridos no âmbito do Executivo, em que autores de denúncias, devidamente identificadas por vontade própria, foram sumariamente demitidos de suas funções. Nem assim, as denúncias que formularam foram levadas em consideração ou constituíram-se em objeto de investigação séria e conseqüente.

A Assembléia Legislativa, embora constitucionalmente deva cumprir papel de fiscalização, renuncia, na prática, a mais esta prerrogativa.

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