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Parece não haver imagem mais velha do que a de um jovem em passeata. Eis um sonho que acabou em algum dia da década de 60 e que hoje jaz num filme em branco e preto. É o que se diz sobre aquele tempo. É o que, às vezes, se sente diante da falta de coragem para protestar e da ausência de um modelo de mundo a ser erguido, condição para que bandeiras sejam empunhadas em praça pública.

Pode-se dizer que essa é uma saudade tola, um descompasso com o relógio, ou má vontade com o presente. Sonhos resistem a tempestades, caiam elas no Éden, em Treblinka, em Soweto ou no Bolsão Audi-União. Mas é inegável que a sociedade está órfã de narradores e de grandes explicações para as perguntas mais simples. Foram-se os "ismos". Estávamos acostumados a eles, pois eram rezados ao longo da vida, dando juízo tanto à fé quanto à razão. Agora temos de nos virar sozinhos, "sem pai nem mãe", como se dizia.

Resta sair debaixo da cama e tornar inteligível o tempo que vivemos. Ao fio da meada: foram-se os tempos modernos e seus anos loucos. Foi-se a era dos extremos. Inaugurou-se a era dos excessos, que bem poderia ser chamada de "tempos ausentes". O vazio – tema, inclusive, da última Bienal de São Paulo, a mais polêmica e vazia de todas – é uma espécie de fato social complexo, um je ne sais quoi dos nossos dias.

A ausência – categoria filosófica menos explorada do que merecia – nasce do desejo, categoria mais adulterada do que se presume. E o desejo, que pena, ficou reduzido a uma questão patética em torno de Tiger Woods – episódio sobre o qual a mais a lamentar do que a considerar – e aos imperativos do baixo-ventre.Virou produto de sex-shop e de loja de automóveis. Pobres de nós.

Recuperado o desejo, portanto, preenche-se o mundo de tudo aquilo que lhe é próprio. Inclua-se na lista a rebeldia, a desobediência civil, a capacidade de se indignar, a decisão de virar a mesa. Não, essa não é a cesta básica de um guerrilheiro do Araguaia ou de um universitário do Quartier Latin, na Paris de 1968. É um ideário do cidadão qualquer, de qualquer tempo, principalmente o nosso. Os desejos de mudança resistem mesmo a épocas ausentes como a de hoje, para surpresa dos que se nutrem da apatia e do esquecimento, como se fossem partes da nova ordem. Não são.

Mesmo sem o layout explosivo de tempos idos, não há grande questão de hoje que tenha se tornado impermeável à indignação social. As guerras do Iraque e do Afeganistão, com certeza, serão vistas pela História não como acontecimentos recebidos com passividade, mas como episódios debatidos em blogs, sites, matérias de revista e aulas nas universidades. Foi assim com os banlieuse de Paris. Tem sido assim com os escândalos envolvendo a Assembleia Legislativa do Paraná.

Eis o ponto.

Foi com perplexidade que se recebeu a notícia de que a direção da Assembleia questiona a legitimidade da campanha "O Paraná que Queremos", movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), desde o início de maio. Cerca de 150 entidades da sociedade civil e mais de 130 empresas já aderiram ao movimento que pede transparência nas investigações e que os culpados sejam punidos.

Em paralelo à OAB, outro movimento, o Caça-Fan­­tasmas, vem reunindo sindicatos, estudantes secundaristas e universitários nos quatro costados do estado. O que fazem esses grupos outra coisa não é do que a manifestação da vontade de mudança, de modo a preencher o buraco em que nos metemos. A lógica é simples. Pode ser dita e vivida por qualquer um. Daí causar tanto pânico, daí ser acusada de antidemocrática e de incitação à violência.

Pois o ciclo dos "Diários Secretos" não se completa sem campanhas, movimentos e vozes dissonantes. Seu fim não será selado em silêncio, pois de silêncio foi feito no estranho mundo dos arquivos-mortos. Essa história tem de acabar a viva voz. É a lei do desejo. Vai ser bonita a festa, pá.

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