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Se desmoralizar o juiz federal Sergio Moro já era uma estratégia dos investigados da Lava Jato havia um bom tempo – até as atividades profissionais de sua mulher foram escrutinadas em busca de algo desabonador –, os ataques subiram muito de tom depois da condução coercitiva de Lula e do fim do sigilo sobre as interceptações telefônicas do ex-presidente. Expressões como “Estado policial”, “abuso de autoridade” e “atentado à democracia” têm sido abundantemente usadas. Dilma Rousseff chegou a dizer que “grampear o presidente” daria cadeia em outros países, e já há quem queira a prisão de Moro.

Isso, sim, seria um ataque à democracia, pois Moro agiu estritamente dentro de suas prerrogativas e do que prescreve o processo penal. O princípio geral que norteia o processo penal é o de que ele é público – para haver o chamado “segredo de Justiça”, é preciso que se verifiquem algumas circunstâncias específicas que não existem no caso da Lava Jato. Tanto é que a documentação das outras 23 fases da operação estava disponível on-line e ninguém havia insinuado qualquer arbitrariedade na divulgação.

Se realmente Moro agiu guiado pelo senso de oportunidade, só podemos dar-lhe os parabéns

É prerrogativa do juiz responsável levantar o sigilo de uma interceptação telefônica. A divulgação – que não pode em hipótese alguma ser confundida com “vazamento”, expressão que o petismo vem usando na tentativa de criminalizar a difusão dos áudios – foi feita seguindo cuidados como o de não expor a intimidade dos investigados. As conversas cujo teor vieram a público tratam de assuntos de interesse da República, o que legitima sua publicidade. Do ponto de vista do processo penal, não há o que censurar.

Há quem afirme, em tom de acusação, que Moro decidiu pela divulgação a partir de um olhar que considerou a conveniência ou a oportunidade de lançar as informações a público, já que Lula estava prestes a se tornar ministro. O que uns chamam de oportunismo nós chamaríamos de coragem. Impossível saber a intenção do magistrado, mas, se realmente Moro agiu guiado pelo senso de oportunidade, só podemos dar-lhe os parabéns. Dentro da legalidade, tomar uma atitude como a da quarta-feira é mérito, dado o golpe que o PT vinha tramando para blindar seu investigado mais célebre.

Lançados os princípios gerais, podemos nos debruçar sobre especifidades da decisão de Moro, como o fato de o grampo incluir conversas da presidente da República, o que irritou Dilma profundamente. Ora, o grampeado era Lula, e não Dilma ou nenhum dos ministros ou deputados que aparecem nos áudios e também têm foro privilegiado. Que suas conversas tenham sido gravadas é consequência do fato de Lula ser o interceptado. A língua inglesa tem uma palavra para isso: serendipity, que poderia ser definida como um acaso feliz ou uma sequência de eventos fortuitos que acabam levando a bons resultados. Em 2012, essa era a avaliação do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao justificar o grampo que derrubou o senador Demóstenes Torres, flagrado em conversas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. “Ninguém nunca investigou objetivamente os parlamentares. Estava-se investigando o empresário Carlinhos Cachoeira. Agora, se parlamentares conversam com ele, o problema é outro”, disse Cardozo à época.

Essa avaliação, no entanto, trata da gravação das conversas, não da sua divulgação. Seria possível que a captação das conversas de Dilma com Lula fosse legal, mas sua divulgação fosse ilegal? A interpretação de Moro, segundo a qual, “nos termos da Constituição, não há qualquer defesa de intimidade ou interesse social que justifique a manutenção do segredo em relação a elementos probatórios relacionados à investigação de crimes contra a administração pública”, nos parece adequada. A regra, novamente, é o princípio da publicidade. Quem pode mandar grampear também pode mandar publicar.

Por fim, resta a controvérsia sobre um telefonema específico, aquele em que Lula e Dilma conversam sobre o termo de posse, já que a interceptação ocorreu no intervalo entre a ordem de Moro para suspender o grampo e a execução dessa ordem pela companhia telefônica. Os juristas ainda divergem sobre qual deve ser o critério para considerar essa ligação prova válida. Mas, ainda que ela acabe descartada, vários outros telefonemas cuja gravação foi indubitavelmente legal são suficientes para caracterizar o desvio de finalidade na nomeação de Lula para a Casa Civil.

Moro arriscou todas as fichas ao fazer o que fez? É possível. Mas agiu consciente da legalidade de sua decisão. O Brasil agradece.

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