• Carregando...

A Gazeta do Povo publicou na edição do último domingo que 5.589 crianças e adolescentes de Curitiba estão em processo de evasão escolar. O número corresponde a 3% do total de estudantes da rede pública municipal e estadual e resulta da soma das Fichas de Comunicação do Aluno Ausente – a Fica – enviadas pelas escolas aos conselhos tutelares da capital.

Trata-se de um número imperfeito. Nem todos os colégios comunicam a evasão de seus alunos – o que implica em desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E nem todas as fichas que desembarcam nos conselhos tutelares representam casos de abandono dos estudos, mas resultam da inabilidade da escola em lidar com situações banais. Em suma, o sistema está desafinado.

Episódios contornáveis, como doenças de infância, suspensão por indisciplina e mudanças de endereço – essas bastante comuns nas zonas de ocupação irregular e periferias mais distantes –, muitas vezes geram informações enviesadas para os conselhos tutelares, prejudicando a contabilidade dos casos. O mesmo se diga dos dados sonegados pelas instituições, sem os quais as contas não fecham: não registrar é uma insensibilidade brutal diante do que a evasão representa.

Ainda assim, o número de 5.589 possíveis evadidos só em Curitiba é o bastante para colocar o bloco na rua. O estrago é muito maior do que 3% – o que deve se confirmar até o encerramento do ano letivo, quando o quadro de abandono e repetência tende se transformar numa cifra nefasta para as escolas.

Para que se tenha uma idéia, em todo o Paraná, entre os 14,8 mil evadidos das escolas estaduais no primeiro semestre de 2008, cerca de 8 mil casos não foram resolvidos: ou seja – nem a escola, o conselho tutelar, nem o Ministério Público conseguiram entender o bicho que deu. Onde está essa garotada?

Qualquer que seja a escala, de 3%, 15% ou 27%, a evasão tende a determinar o destino do aluno. O mapa do degredo já se conhece: é por volta da quinta-série do ensino fundamental que 50% dos que um dia responderam "presente" para a professorinha vão conhecer o pior dos mundos para uma criança: a repetência.

Os pequenos não saem impunes dessa experiência. A retenção é o primeiro passo para a evasão, que virá, cedo ou tarde, à medida em que o aluno entra em descompasso entre a idade e a série cursada. É quando vira "marmanjo", e se sente fora do lugar.

Estudo realizado em 2003 pelas pesquisadoras Mary Castro e Míriam Abramovay mostrou um fato novo do quadro de evasão. Até 35% dos que deixaram a vida escolar retornam, nem sempre para viver um final feliz. Ou seja, o quadro de fracasso escolar é lento e cruel, do que só se pode deduzir que faltam políticas educacionais tanto para o aluno ausente, quanto para o repetente. Em pouco tempo eles se confundem.

O mais surpreendente é que há pelo menos 40 anos estatísticas informam sobre a máquina de exclusão instalada nas escolas. O Brasil produziu uma pedagogia sofisticada, não lhe faltam experiências alvissareiras e a educação é já monotonamente apontada como causa suprema de todas as mazelas nacionais. Mas esses ganhos convivem com o atraso. Não se pode falar ainda de uma sociedade organizada em torno do direito a estar e permanecer na escola. A evasão, em miúdos, é o principal sintoma da crise de nação. A naturalidade com que se convive com ela é imoral.

Por muito tempo, responsabilizou-se o aluno malformado, os pais negligentes, a pobreza gritante e agora o surto de violência. Todos esses motivos, por certo, concorrem para o abandono da sala de aula. Mas não se pode deixar de perguntar por que a escola, a rigor, não fez desse problema um alvo, por que não festeja no pátio do colégio, ano após ano, a permanência de mais e mais alunos, com a euforia de um campeonato juvenil.

O educador Odilon Carlos Nunes, 58 anos, do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná, entende do riscado. Os 30 anos de pesquisa universitária lhe permitem apontar as causas sociais da exclusão escolar, mas também em que ponto tropeçam o ensino e o Estado.

Não é problema de hoje, considera o pesquisador, para quem toda a pressa em culpabilizar esse ou aquele governo não ajuda em nada. Está-se no campo da determinância histórica, do continuísmo, males que só podem ser esmagados com políticas educacionais mais agressivas.

Por políticas se entenda medidas conhecidas: expansão da rede de ensino e garantia de estabilidade para os professores, hoje às voltas com leilão de aulas a cada início de ano letivo. Difícil conter a evasão sem fortalecer os vínculos entre professores e alunos. Daí demanda outra necessidade – a da mudança de cultura escolar. Ao tratar do assunto, Nunes põe o dedo na ferida.

Pelo que indicam os vergonhosos resultados de permanência na escola – que sistema é esse, afinal, que exclui metade de suas fileiras? – a escola tem saudade de um modelo de aluno que jaz em algum lugar do passado. "Criou-se um ideal de educando inspirado nas elites dirigentes. Ele é homogêneo e responde ao atendimento da escola, garantindo a qualidade. Mas esse aluno é outro, a educação se tornou pública, a urbanização se acelerou e mudou tudo. Há estranhamento, claro. A saída é se aparelhar para responder ao nosso tempo", explica o estudioso. "Outros países enfrentaram o problema. Nós também podemos", encoraja o professor Odilon.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]