• Carregando...
 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

A insistência da ministra Cármen Lúcia em não deixar o Supremo Tribunal Federal correr o risco de “se apequenar”, para usar as palavras da própria presidente do STF, não resistiu à pressão vinda de dentro da própria corte. Mal havia começado a sessão de quarta-feira, ela anunciou que colocaria na pauta desta quinta-feira um habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula para impedir que ele seja preso após a análise dos embargos de declaração no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, o que ocorrerá na próxima segunda-feira.

Justiça seja feita, Cármen Lúcia foi praticamente emparedada pelos colegas, especialmente por Marco Aurélio Mello. Ele é relator de duas ações sobre a possibilidade de início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância – e é contrário ao entendimento adotado pelo Supremo desde 2016 – e tinha anunciado que usaria uma questão de ordem para contornar a firmeza de Cármen Lúcia. Entre um julgamento que poderia reverter a posição atual da corte e um julgamento cujos resultados se aplicarão apenas ao caso de Lula, a presidente do STF acabou optando pela segunda alternativa, uma espécie de “mal menor”.

Todo o processo do tríplex correu de forma transparente, sem arbitrariedade alguma

Se os ministros julgarem o habeas corpus como deve ser – atendo-se especificamente ao caso de Lula, dentro da jurisprudência construída no Supremo não em um, mas em três julgamentos diferentes sobre a prisão após condenação em segunda instância, não existe motivo para livrar o ex-presidente. A regra em vigor é a que permite o início do cumprimento da pena após a condenação por colegiado, ou seja, não haveria nenhuma ilegalidade na prisão de Lula após o fim do processo no TRF-4.

Além disso, o habeas corpus tem como objetivo impedir que um cidadão seja vítima de arbitrariedades cometidas pelo Estado. Mas todo o processo pelo qual Lula foi condenado em primeira e segunda instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro correu de forma absolutamente transparente, sem que houvesse nenhuma ameaça ao direito de defesa. Vale lembrar que o habeas corpus foi liminarmente negado pelo ministro relator, Edson Fachin, e um pedido semelhante feito anteriormente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) terminou com placar de 5 a zero contra o ex-presidente, pois os ministros também não viram arbitrariedade ou ameaça a direitos.

Leia também: De acórdãos e “acordões” (editorial de 19 de março de 2018)

Leia também: Pressão sobre Cármen Lúcia (editorial de 8 de março de 2018)

Mas tudo isso, claro, só vale caso os ministros realmente se atenham ao caso em tela. No entanto, não podemos descartar a possibilidade de pelo menos alguns dos integrantes da suprema corte desejarem transformar o julgamento do habeas corpus em uma análise mais ampla que sirva para reverter o entendimento que vigorou entre 2009 e 2016. Neste caso, não apenas Lula seria beneficiado, mas todos aqueles que já cumprem pena após condenação por TRFs ou Tribunais de Justiça estaduais, seja na Lava Jato, seja por qualquer outro crime. Mesmo assim, seria impossível separar este desfecho do caso específico de Lula; poderíamos muito bem chamar semelhante decisão de “jurisprudência Lula” com toda a tranquilidade.

Fato é que não há nenhum motivo que embase a concessão do habeas corpus, e o eventual “sequestro” do caso de Lula para reverter o entendimento do Supremo sobre a prisão após condenação em segunda instância também seria uma decisão personalista que apequenaria o STF. Se houver bom senso da parte dos ministros, ou pelo menos da maioria deles, a próxima segunda-feira continua a ser o dia decisivo para Lula, em respeito à jurisprudência construída pelo próprio Supremo e ao trabalho bem feito da Operação Lava Jato, do juiz Sergio Moro e dos desembargadores da 8.ª Turma do TRF-4.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]