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É mais importante para a maioria dos parlamentares estar "bem" com os prefeitos, governadores ou presidentes que exercer sobre eles o poder constitucional de fiscalizá-los

Não fosse trágico, o caso de a oposição ao prefeito Gustavo Fruet na Câmara Municipal de Curitiba ser representada pela "bancada" da única vereadora eleita pelo PMDB, Noêmia Rocha, bem que poderia ser risível. Entretanto, é esse o retrato triste da atração fatal que o Executivo exerce sobre o Legislativo – poder este que tem dentre suas principais funções justamente a de fiscalizar os atos daquele – porque, dos 38 eleitos em outubro passado, 37 decidiram aderir ao situacionismo mais ou menos escancarado.

Ao ser "líder" de uma minoria de um só, a vereadora fica sem condições de exercer as mínimas prerrogativas de competência da oposição. Dificilmente conseguirá quóruns para simples pedidos de informação, muito menos reunir um terço das assinaturas de colegas, proporção regimentalmente necessária para convocar comissões parlamentares de inquérito. Logo, na prática, inexiste oposição ao novo prefeito na Câmara.

Não foi essa a vontade do milhão de curitibanos que acorreu às urnas de outubro passado. Contados os votos, os partidos que apoiaram Gustavo Fruet elegeram somente oito vereadores. Os demais compuseram as coligações que sustentaram a candidatura do adversário Ratinho Jr. (PSC) e os que defendiam a reeleição do ex-prefeito Luciano Ducci, e que agora se dizem "independentes" – ou seja, estão dispostos a seguir, quando for o caso (e quase sempre "é o caso"), a orientação que emanar do Palácio 29 de Março.

Mas o adesismo indiscriminado não chega a surpreender. Em agosto, esta Gazeta do Povo ouviu 29 dos 35 vereadores que buscavam a reeleição no pleito de outubro. Metade dos entrevistados admitia a possibilidade de estar na base de apoio do futuro prefeito, independentemente de quem fosse e das coligações feitas para disputar a eleição.

Que milagre de transmutação das espécies é este que se dá na formação das maiorias parlamentares? Que razões tão eloquentes fazem que posturas políticas da véspera não resistam até o dia seguinte? Não é difícil entender como o milagre ocorre independentemente de quem seja o santo de plantão. Trata-se de um hábito cada vez mais arraigado – fruto da baixa compreensão do próprio papel institucional que possuem – que os parlamentos brasileiros de quaisquer níveis ou esferas se submetam docilmente ao Executivo.

É mais importante para a maioria dos parlamentares (sejam eles vereadores, deputados ou senadores) estar "bem" com os prefeitos, governadores ou presidentes que exercer sobre eles o poder constitucional de fiscalizá-los. Porque é dos pretensos fiscalizados a propriedade da caneta que libera emendas orçamentárias paroquiais e as autorizações para a prestação de pequenos favores a eleitores e cabos eleitorais. É desses currais e das pessoas favorecidas de que se alimentam os parlamentares para garantir-lhes a próxima eleição.

A Câmara Municipal de Curitiba, com oposição representada por um só de seus membros, não chega a se constituir exceção. Do mesmo mal, em proporção não muito diferente, sofrem a Assembleia Legislativa do Paraná e o próprio Congresso Nacional. No plano estadual, dentre os 54 deputados, apenas seis representam oficialmente a bancada oposicionista. Na Câmara Federal, os deputados da oposição são pouco mais de uma centena. Neste último caso, pela primeira vez desde o regime militar de 1964, a oposição não conta com número para propor uma CPI.

O mensalão, que ficou conhecido como um esquema de repasse de créditos financeiros diretos e ilegais às contas de partidos e parlamentares, foi apenas uma modalidade mais escandalosa de um mesmo sistema entranhado quase desde sempre nas relações entre Executivo e Legislativo. No fundo, a sede de receber benefícios de aparência legal – como a aprovação de emendas ou facilidades para transitar em gabinetes – constitui outra modalidade, mas cujo resultado é o mesmo: a submissão consentida dos fiscais pelos fiscalizados.

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