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A violência virou o prato do dia – a novela das nove dos brasileiros. Fala-se dela tanto ou mais do que as venturas e desventuras de Griselda. E isso é um bom sinal. Um dos antídotos da violência, afinal, se chama "palavra". Com ela, combate-se o pior dos malefícios provocados pelo medo: o silêncio.

O uso da voz pode soar como um princípio da psicanálise ou da autoajuda, na pior das hipóteses. Mas falar da violência não se resume a uma terapia para superação de traumas ou coisa que valha. Trata-se de um princípio para entender este fenômeno que nos assola e inibe, secando a seiva social, cuja consistência se mede pela capacidade de agregar.

Essa afirmação tem fundamento filosófico inclusive: Gaston Bachelard dizia que a voz é o que há de mais humano no homem. Que o "bem dizer" é o princípio do "bem viver", de modo que ninguém que tenha experimentado o primeiro possa dizer que não desfrutou do segundo.

No plano prático, a palavra também é recomendável, tal e qual exames periódicos ou caminhadas regulares. Como nenhuma outra atividade, ela tem o poder de formar comunidade, de romper o isolamento, aumentar a compreensão diante do que nos escapa. A epidemia de criminalidade é o caso. Pode, sobretudo, diluir obscurantismos medievais. E não faltam sombras e pestes em torno desse assunto.

Desde o lançamento da campanha "Paz sem voz é medo", em julho deste ano, pelo grupo GRPCom, a palavra tem sido dada à população, na tevê, rádio e nos jornais. Com o "microfone" nas mãos, opiniões sortidas são amplificadas, trazendo à tona o quão é difícil para o homem das ruas pensar em mais do que duas ou três equações sobre o crime e o medo. É sinal de que faltam informações para avaliar a maior das questões. E que sem razões práticas, não há imaginação criadora.

A reivindicação mais comum é a que pede a multiplicação de carros de polícia nas ruas – de preferência na esquina de nossas casas – num claro clamor pela sociedade vigiada. Acredita-se que câmeras e homens de farda porão fim à contravenção ou que baixarão os índices de homicídios. Em segundo lugar se pede "escolas em tempo integral", "para que os adolescentes e jovens aprendam um ofício". Não raro, repete-se a máxima dos antepassados: "cabeça vazia é a oficina do diabo".

Nenhuma dessas duas propostas são saquinhos de mentira. Em zonas de violência descontrolada, a presença da polícia traria de volta o sentimento de segurança, motivando a população atemorizada a retomar a normalidade e até a reagir sem medo de retaliação. O aprendizado de um ofício, numa escola de melhor qualidade e capaz de oferecer mais horas de estudo, idem, motivaria muitos dos nossos moços a apostar na vida reta e produtiva.

O problema é que uma e outra dessas propostas pode nascer de uma ingenuidade diante da violência, no melhor do estilo "uma coisa é sintoma de outra" – a dizer. Onde se pede "carro da polícia circulando na rua o tempo todo" pode-se ler "o Estado que resolva o problema". Quando se proclama "lugar de adolescente é na escola o dia todo" leia-se "prenda-se o jovem antes que seja tarde demais".

São proposições pobres, que ignoram duas das maiores contribuições à cultura da paz – o cidadão participante e o ativismo juvenil. Não se tem notícia de uma sociedade que tenha vencido as amarras da criminalidade sem a presença de associações, clubes e de igrejas. Uma das maiores críticas feitas às Unidades de Polícia Pacificadoras, as UPPs, é, inclusive, a de que não terão serventia se passarem o rolo compressos nas comunidades onde se instalaram.

Quanto à mocidade, precisa sobretudo de um país que se organize em torno dela. Não se pode delegar à escola a única responsabilidade pelos jovens. Sabe-se, por exemplo, que poucas empresas oferecem vagas de aprendiz, envolvendo-se minimamente com as vilas de seus entornos. E que não há programas sociais de bom nível para quem passou dos 18 anos – quando se sai da tutela do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Alguém pode concluir, então, que "o povo não sabe o que fala". Não é exatamente essa a frase. O que se pode afirmar é que famílias, escolas, igrejas e quetais ainda dominam pouco o vocabulário da violência. E que nos falta repertório de experiências positivas desenvolvidas aqui e ali – em especial no campo do urbanismo, cujo peso na diluição da violência é de toneladas.

Postes de luz, ruas bem calçadas, espaços de lazer podem ser mais frutíferos do que viaturas, pois convidam as ruas a se encher de gente. Simples como isso. O mesmo se diga de nichos para produção cultural, palcos, praças de esporte, ciclovias e demais áreas de sociabilidade. Onde existem, lotam de jovens, pois ali podem cultivar a arte e a amizade. É da vida. É dos moços. Ignorar quem são eles é a maior das violências.

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