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Se tanto a ineficiência como a corrupção fossem menores, nas últimas três décadas o Brasil teria juntado um volume de recursos financeiros suficiente para corrigir os flagelos sociais mais graves

O crescimento da economia brasileira nas duas últimas décadas, a significativa melhoria das contas com o resto do mundo, a afluência de famílias das classes C e D e a redução no nível do desemprego são fatores que criaram uma onda de otimismo com o Brasil, tanto aqui quanto no resto do mundo. O país melhorou mesmo nos momentos mais difíceis da economia mundial, especialmente na crise financeira iniciada em 2007 nos Estados Unidos e na crise dos países da zona do euro.

Os fatores acima, combinados com a elevação do consumo e a ampliação do crédito aos consumidores, respondem pela onda de otimismo e, em certa medida, um ufanismo exagerado em relação ao avanço das condições econômicas e sociais do país. Acreditar no próprio potencial e trabalhar para colocar o Brasil no clube dos países adiantados são atitudes boas a serem adotadas, pois os recursos naturais e as recentes conquistas da economia nacional já mostraram que o sucesso é possível. Todavia, adotar um ufanismo sem base na realidade e ficar cego para o tamanho e a gravidade da pobreza são formas de atrasar a superação do triste quadro social que atinge milhões de brasileiros. O governo acaba de anunciar que "descobriu" mais 700 mil famílias vivendo na extrema pobreza e invisíveis – portanto, fora do mercado e longe dos registros formais sobre a situação social. O tamanho desse contingente é chocante e uma afronta à ética da sociedade, e todo esforço deve ser feito para eliminar um flagelo social dessa magnitude.

Se não bastasse essa dolorosa constatação, o IBGE acaba de informar que 18,5 milhões de brasileiros moram em casas precárias com esgoto ao ar livre e carecem de serviços elementares, como coleta de lixo. Essa notícia só serve para piorar a dramática e inaceitável situação de metade da população viver sem acesso a uma rede de esgoto tratado. Os países sérios já resolveram esse problema há mais de um século. O Brasil cresceu, melhorou e tem futuro promissor; porém, os índices de pobreza ainda são muito altos e incompatíveis com uma sociedade moderna. Erradicar o quadro degradante de pobreza deve ser a prioridade número 1 do governo e da sociedade nas próximas três décadas, para que o país chegue a 2040 em boa situação social.

Embora a renda per capita anual tenha atingido a cifra de US$ 10,6 mil, o governo come em torno de US$ 4 mil em tributos. O nível de renda dos brasileiros está em patamares que permitem erradicar a pobreza, e o tamanho da arrecadação tributária do governo é suficiente para chegar a esse objetivo nas próximas décadas. O maior entrave para o atingimento das metas sociais repousa em duas doenças graves do setor público: a corrupção e a ineficiência. A ineficiência econômica, que deriva de uma máquina pública inchada, lenta e perdulária, joga no lixo expressiva parcela dos 38% retirados da população em forma de tributos, enquanto a corrupção responde por outra fatia de desvios e desperdícios. Se tanto a ineficiência como a corrupção fossem um pouco menores, nas últimas três décadas o Brasil teria juntado um volume de recursos financeiros suficiente para corrigir os flagelos sociais mais graves. Essas doenças do sistema público são culpadas pela insignificante taxa de investimento do governo, que não ultrapassa 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

O desafio social que o Brasil tem à frente somente será vencido se houver elevação do investimento do governo para, no mínimo, 5% do PIB nas próximas duas décadas, sem elevação da carga tributária. Tal taxa somente será possível se houver diminuição da corrupção e da ineficiência do setor público, já que a redução de gastos sociais é alternativa pouco provável. O primeiro passo para a solução de um problema é admitir que ele existe, e o segundo é identificar o tamanho do problema. O Brasil conseguiu dar o segundo passo antes de criar convencimento no governo e na sociedade quanto ao primeiro – admitir em alto e bom som que a pobreza no país é muito grande e inaceitável. A descoberta de mais 700 mil famílias vivendo em extrema pobreza e invisíveis aos olhos do governo e da sociedade é apenas mais um sintoma da incapacidade do país em resolver seus males mais graves.

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