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A notícia de que parlamentares ligados à base de sustentação do governo federal articulam a apresentação de propostas, para um terceiro mandato do presidente Lula, trouxe preocupação. Além da reação de partidos oposicionistas, a iniciativa foi contestada pelo presidente da corte eleitoral, para quem uma emenda constitucional para um terceiro mandato presidencial em série viola a alternância de poder inerente à democracia. A propósito, a passagem discreta, a 25 último, do dia consagrado à democracia enseja a reflexão de que ainda precisamos adensar seus valores como forma superior de organização da sociedade.

É que, empenhados em buscar o desenvolvimento a todo custo, alguns povos se mostram ambivalentes entre cultivar os valores democráticos ou aceitar a liderança de guias messiânicos com seus atalhos para a construção da riqueza coletiva, em troca exigindo o sacrifício das liberdades. Mesmo uma abordagem utilitarista aponta frutos mais sólidos no pluralismo democrático: ao sacrificarem a liberdade, os regimes de exceção acabam sufocando a manifestação criativa do ser humano, levando a colapsos conhecidos.

Por isso sociedades empenhadas em fortalecer a democracia aceitam a legitimidade dos adversários no jogo político, respeitam a liberdade de imprensa e cultivam a tolerância democrática. No limite está a alternância no poder, porque – ensinava Hannah Arendt – "a política baseia-se no fato da pluralidade dos homens" e o conceito do pluralismo, exposto pelo teórico alemão do pós-guerra Ulrich Scheuner, pressupõe mandatos limitados e temporários.

Quem melhor definiu essa situação foi o pensador italiano Norberto Bobbio, ao defender a observância das "regras do jogo" político. Para Bobbio, elas são "regras preliminares que permitem o desenrolar do próprio jogo democrático". Entre tais medidas, acrescenta outro analista, "está o respeito às leis que regulam a mudança das leis". Nessa situação, não podem prosperar propostas de reforma da Constituição para inclusão da possibilidade de um terceiro mandato, nem a tese alimentada em setores do PT paulista de convocação de plebiscito para que o povo decida sobre a supressão da alternância de mandatos, porque – adverte Célio Borja, jurista e ex-ministro do Supremo – "é através dos plebiscitos que se fazem os Césares".

É justamente por não respeitar as "regras do jogo" que o Congresso brasileiro tem resistido à aceitação da Venezuela como membro do Mercosul. A visão geral é que o governo Chávez não observa a cláusula democrática do bloco, quando modifica a Constituição local, para se reeleger indefinidamente, oprime as oposições e censura a imprensa, impedindo a diversidade de correntes políticas capaz de garantir a alternância no poder.

Caso venezuelano à parte, no Brasil não acreditamos que o presidente Lula, com sua visão amadurecida pela experiência de dois mandatos, irá subscrever a manifestação "queremista" de alguns acólitos. À diferença de outras nações, nossa sociedade ostenta estatitude histórica – isto é, composição pluralista, organizações civis fortes e opinião pública vigilante –, compondo um conjunto capaz de equilibrar o destaque eventual de governantes no exercício temporário do poder.

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