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Lula escolheu Juscelino Filho para o ministério das Comunicações para atrair o apoio do União Brasil.
Lula escolheu Juscelino Filho para o ministério das Comunicações para atrair o apoio do União Brasil.| Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto

Com apenas dois meses de mandato, o governo Lula já tem material suficiente para fazer uma pequena faxina ministerial. A ministra do Turismo, Daniela do Waguinho, tem notórias ligações com um chefe miliciano preso desde 2009; o novo secretário especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, André Ceciliano, teve seu gabinete apontado como o campeão das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro anos atrás. Mas a bola da vez é o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que recebeu diárias pagas com dinheiro público e voou em jato da Força Aérea Brasileira para cuidar de seu hobby, a criação de cavalos da raça Quarto de Milha.

Segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo, o ministro partiu de Brasília para São Paulo em 26 de janeiro, uma quinta-feira, usando jato da FAB; passou algumas poucas horas (mais precisamente, duas horas e meia) em compromissos realmente de caráter oficial, em visitas a Claro, Telebrás e Anatel; e dali foi para o interior de São Paulo, para cuidar do que realmente lhe interessava: recebeu prêmio de uma associação de criadores, prestou assessoria a compradores em leilões e até inaugurou praça em homenagem ao cavalo de um de seus sócios, retornando à capital federal apenas na segunda-feira, 30 de janeiro. Nada disso, é claro, constava da agenda oficial, nem justificava a “urgência” alegada por Juscelino para o uso da aeronave e o pagamento de 4,5 diárias.

O critério do petismo para suas críticas não é a irregularidade ou o crime em si, mas se quem o comete é “dos nossos” ou “dos deles”

O jornal paulista ainda revelou que o ministro, apesar de amar tanto seus cavalos, não fez questão de exibi-los na hora de declarar seus bens à Justiça Eleitoral. Ao registrar sua candidatura a deputado federal no ano passado, Juscelino teria omitido pelo menos 12 animais, que valeriam R$ 2,2 milhões, em sua declaração de bens. Os cavalos ainda têm relação com o primeiro escândalo envolvendo o ministro, divulgado no fim de janeiro: eles são criados em um haras na cidade de Vitorino Freire (MA), governada pela irmã de Juscelino, Luanna Rezende, e que recebeu R$ 5 milhões do “orçamento secreto” para obras de asfaltamento – em uma dessas incríveis coincidências tipicamente brasileiras, a estrada que ganhou pavimentação passava pelas propriedades do ministro. Como se não bastasse, a licitação para a execução da obra tinha um único concorrente, cujo verdadeiro dono seria um amigo da família, preso em julho de 2021, acusado de subornar servidores para conseguir contratos.

Diz a lenda que o imperador romano Calígula pretendia nomear seu cavalo favorito como cônsul, para escarnecer do Senado de sua época. Se a história do cavalo de Calígula é falsa, a dos cavalos de Juscelino é bem verdadeira, é com ela o ministro escarnece do brasileiro pagador de impostos, recentemente obrigado a tirar ainda mais do seu bolso porque, afinal de contas, alguém precisa sustentar o Estado inchado que autoridades como Juscelino acreditam lhes pertencer. Pois esta é a essência de um dos grandes males da política brasileira, o patrimonialismo: o bem público é tratado como se privado fosse, e sendo assim a autoridade pode dispor dele como bem entender.

A faxina, no entanto, ainda não veio: Juscelino Filho segue no cargo, ainda que questionado, e também Daniela do Waguinho e André Ceciliano continuam no governo. Como ligações com milícias e “rachadinhas” haviam sido bastante exploradas pelo petismo quando se tratava do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, alguém até poderia pensar que o PT considerava esses dois comportamentos absurdos e inaceitáveis, mas apenas os mais incautos e os desmemoriados – que não se lembram de como o petismo celebrava os seus envolvidos no mensalão e no petrolão – não sabem que o critério do petismo não é a irregularidade ou o crime em si, mas se quem o comete é “dos nossos” ou “dos deles”.

“Quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será, simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo”, prometeu Lula em sua primeira reunião ministerial. Acreditou quem quis; Juscelino Filho pode até cair em breve, mas para isso a situação precisará ficar realmente insustentável. A tolerância de Lula com casos como os de seus dois ministros e seu secretário mostra que o mais provável (faltando a Juscelino e Daniela apenas a carta de filiação ao PT) é que, um dia, eles acabem aclamados como “guerreiros do povo brasileiro”.

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