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Daniela Carneiro foi empossada ministra do Turismo pelo presidente Lula no último domingo (1º)| Foto: André Borges/EFE

A relação do grupo político da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, e de seu marido, o prefeito de Belford Roxo (RJ), Waguinho, com o ex-policial militar Juracy Alves Prudêncio, o "Jura", abriu a primeira crise no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além do constrangimento político à gestão petista, também expôs um racha do União Brasil no apoio ao Palácio do Planalto.

Filiados ao União Brasil, Daniela e Waguinho têm uma relação próxima com "Jura", condenado e preso sob acusação de ter chefiado uma milícia na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. O ex-policial militar foi citado no relatório final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em 2008. O colegiado foi presidido pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, atual presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur).

A proximidade com o miliciano, preso desde 2009 na Cadeia Pública Constantino Cokotós, em Niterói (RJ), gerou mal estar no União Brasil. Internamente, algumas lideranças do partido até defendem uma pública desassociação ao governo Lula. O movimento já é feito por alguns parlamentares.

O deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE) aponta que nem Daniela, nem o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), e o da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (atualmente filiado ao PDT, mas que migrará para o UB por acordo), são indicação da bancada do partido.

"O processo da indicação dos ditos representantes da bancada do União Brasil se deu de uma forma em que o colegiado não tomou nenhuma decisão. Não foi ouvido a bancada, o diretório nacional, não foi feita nenhuma convenção para decidir a participação ou não de membros do partido no primeiro escalão do governo federal", disse Forte em entrevista na terça-feira (3) à rádio CBN.

"Isso foi uma coisa pessoal, individual, e acho que isso vai ser rediscutido no momento certo. Acho que o que a gente tem que discutir primeiro com o governo é uma pauta política para o país", acrescentou.

Quem é Jura e qual é a ligação dele com a ministra

O ex-policial militar Juracy Alves Prudêncio foi condenado a 26 anos de prisão por comandar um grupo paramilitar armado chamado "Bonde do Jura" que cobrava uma "taxa de proteção" a comerciantes e moradores na região da Baixada Fluminense, que compreende os municípios de São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita.

Em junho do ano passado, a Justiça do Rio de Janeiro negou pedido dos advogados de Jura de progressão da pena de regime semiaberto para aberto sob a alegação de que, mesmo preso, ele mantém posição de liderança na milícia e ainda representa um risco para a segurança pública estadual.

Em agosto de 2017, três meses depois de ter progredido do regime fechado para o semiaberto, Jura foi nomeado assessor de gabinete na Secretaria Municipal de Defesa Civil e Ordem Urbana de Belford Roxo, município gerido por Waguinho, marido da ministra do Turismo, desde aquele mesmo ano. Antes, em julho, com autorização judicial, ele havia ocupado o cargo de diretor de Departamento de Ordem Pública da prefeitura.

Em 2018, Daniela Carneiro se lançou candidata a deputada federal pelo MDB sob o nome "Daniela do Waguinho". Sua campanha contou com o apoio de Jura, que entregou santinhos junto com a atual ministra na Baixada Fluminense. Em ato de campanha naquele ano, ela chamou o miliciano e sua mulher, a ex-vereadora Giane Prudêncio, de "lideranças".

Em 2022, com 213,7 mil votos, Daniela foi reeleita como a candidata mais votada do estado. Giane, a mulher de Jura, atuou ativamente na campanha do ano passado.

O que Daniela e o ex-policial dizem em sua defesa

Em nota, Daniela Carneiro afirma que "não compactua com qualquer ato ilícito" e que "cabe à Justiça o papel de julgar quem comete possíveis crimes". Sobre o apoio de Jura à sua campanha em 2018, ela informa ter recebido o apoio de "milhares de eleitores em diversos municípios do estado". "Quanto às nomeações na Prefeitura de Belford Roxo, a ministra enfatiza que não tem nenhuma ingerência, pois o ato é de competência exclusiva do Poder Executivo", informa.

Em mensagem de celular flagrada pelo jornal O Estado de S. Paulo, nesta quarta-feira (4), a ministra do Turismo escreveu a um interlocutor: “Os inimigos querendo me queimar, mas não irão conseguir”. A frase foi enviada durante a cerimônia de posse de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.

O advogado Luan Palmeira, que defende Jura, nega elo do ex-policial com atividades criminosas e considera que a proximidade não arranha a reputação da ministra. "Ele cumpre pena há mais de 15 anos e ostenta comportamento carcerário excepcional. Inclusive, sua família não mais reside na Baixada Fluminense há bastante tempo. A propósito, acerca das supostas ilegalidades na prestação do trabalho extramuros junto à Prefeitura de Belford Roxo, é de bom-tom ressaltar que Juracy foi absolvido das referidas acusações", informou ao jornal Folha de S. Paulo.

O que o governo Lula diz sobre a relação entre a ministra e o miliciano

O governo Lula tem atuado para minimizar a relação entre a ministra do Turismo e o miliciano. Na terça-feira (3), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse não ter "elementos que possam extrair" por fotos uma ligação entre Daniela e a milícia. "É preciso ir com calma, como eu tenho tido prudência ao longo da minha vida".

"A bem da verdade, políticas e políticos do Brasil, principalmente em momentos eleitorais, e, hoje, nesses dias de celular, têm fotos com todo mundo. O fato de ter uma foto com A, B ou C não significa ter ligação com as atividades eventualmente ilegais dessas mesmas pessoas. Eu penso que é possível, que é necessário, a própria imprensa esclarecer melhor isso. Mas, até aqui, pelo que eu vi pela sua pergunta, se é uma foto não dá para jogar por foto", acrescentou Dino.

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, também minimizou a ligação entre ministra e miliciano nesta quarta-feira (4) ao afirmar que não causa "desconforto" no governo. "Não tem, até aqui, nenhuma outra repercussão, nenhuma materialidade concreta sobre nada que crie nenhum tipo de desconforto até o momento. Se surgir coisa nova, aí é outra história. Mas até aqui não tem nada que provoque nenhum tipo de desconforto não", declarou.

O chefe da Casa Civil também negou que exista uma pressão do União Brasil pela substituição da ministra por outro integrante do partido. Segundo o ministro, a relação dela com o miliciano também não abala o apoio do partido ao governo.

O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, por sua vez, evitou polemizar sobre a relação entre Daniela e "Jura" e reforçou ser contra a milícia. "Eu acho que cabe a ela falar sobre isso. Minha relação com ela é muito recente, mas muito boa e de muito diálogo. Não muda em nada e pelo que eu li da defesa, isso tinha mais a ver com a prefeitura [de Belford Roxo] do que com ela", disse ele, em entrevista ao jornal O Globo. Ele chegou a ser cotado para assumir o Ministério do Turismo.

Acusação contra Daniela causa mal-estar no União Brasil

A despeito do constrangimento gerado ao União Brasil, o partido não cogita a hipótese de pedir o cargo de Daniela Carneiro, mas é provável que cresça o movimento de desassociação do partido em relação à ministra do Turismo. A Gazeta do Povo conversou com quatro lideranças da legenda, entre parlamentares e dirigentes partidários, que assumem o mal-estar interno e o racha do apoio ao governo Lula.

“Está muito confuso essa posição do União Brasil. Não temos clareza sobre ser ou não da base. Esse negócio de independência não existe, ou é base, ou não é. Independência é a maneira de dizer que está em cima do muro, e eu acho que não existe outra posição”, afirma reservadamente um deputado federal do União Brasil.

O parlamentar desconhece a relação entre a ministra e o miliciano, mas admite que a proximidade entre os dois alimenta a ala do partido que se prontifica a fazer oposição a Lula. Um dos motivos disso se deve ao fato de que a ministra do Turismo não foi uma indicação do partido. “Houve o aceite do partido à indicação dela, mas ela não é uma escolha da bancada”, sustenta um segundo deputado.

Segundo as fontes, Daniela foi indicada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ao governo Lula e seu nome contou com o apoio do vice-presidente do União Brasil, Antonio Rueda. Alcolumbre também teve influência nas indicações dos ministros Waldez Góes, ex-governador do Amapá, e de Juscelino Filho. O senador atua nos bastidores para reeleger o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e é um dos principais coordenadores da campanha.

Ocorre, contudo, que o nome escolhido internamente pela bancada do União Brasil para intermediar as negociações entre o União Brasil e o governo Lula era o deputado federal Elmar Nascimento (BA), líder do partido na Câmara. Aliado próximo do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-BA), ele teve seu nome ventilado para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, mas foi preterido.

Em 29 de dezembro, inclusive, Elmar disse ao jornal O Globo que o partido não faria parte da base de Lula. “O que for ruim para o Brasil e bom para o PT, a gente vota contra. A posição do partido é de independência. As indicações não são partidárias, são convites pessoais do presidente Lula. Não há indicação de executiva, de filiados. As votações, na Câmara e no Senado, vão mostrar a independência”, declarou.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse ao jornal O Globo esperar “no mínimo 60% dos votos do União” nas duas Casas após o partido ter sido contemplado com integrantes em três ministérios, mas as fontes ouvidas pela reportagem asseguram que o índice é improvável.

“No Senado, a indicação do Waldez paga a conta. Na Câmara, dificilmente os dois [Daniela e Juscelino, deputados federais reeleitos] vão conseguir pagar a conta”, comenta um deputado. Em razão das incertezas do apoio do partido na Câmara a Lula e do tamanho da participação que a legenda terá no governo, lideranças apoiam a reivindicação de mais um ministério.

O presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), condicionou a fidelidade das bancadas no Congresso a diálogos e novos espaços no governo. De acordo com ele, reuniões serão realizadas na próxima semana. "Os eleitos sequer assumiram os seus mandatos e têm pensamentos diversos. Como posso garantir um percentual de apoio neste momento? O União quer, sim, ajudar o governo, mas ainda precisamos conversar muitas coisas. Os deputados eleitos esperam ser contemplados com espaços, e esses postos podem ser negociados. Ainda temos tempo até lá e não falta boa vontade. Sempre estaremos ao lado das boas pautas", declarou ao jornal O Globo.

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