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Ausência de calçadas e de arborização – identificada em pesquisa do IBGE – afeta não só a mobilidade urbana, mas a vida inteligente nas grandes cidades

Dados sobre as cidades brasileiras, apurados no Censo 2010 do IBGE, confirmam em tabelas e gráficos o que os olhos já veem – os grandes centros urbanos do país são muito bonitos em fotografias panorâmicas, mas não resistem se olhados de perto. Faltam árvores, calçadas trafegáveis, placas de rua, travessia para deficientes e meio-fio, situação que se agrava em bairros mais pobres. A informação, que não causa impressão a quem já tenha dado uma volta na quadra, corre o risco de ir para o fim da lista das carências nacionais, posto que haverá quem pergunte o que importa um meio-fio diante dos índices de violência.

Pois a resposta, além de longa, é favorável ao meio-fio, sem o qual a urbe vira selva. Desde que a antropóloga Jane Jacobs lançou Morte e vida das grandes cidades, na década de 1960, sobram evidências de que as pequenas estruturas urbanas são determinantes na saúde das metrópoles. É ali, entre a calçada e o portão das casas, que se dão as interações humanas básicas; ali os debates sociais nascem e ganham impulso. Diante dos dados do Censo de que 68% dos municípios não têm arborização, impossível não lembrar uma das últimas frases cintilantes cunhadas pelo jornalista Millôr Fernandes – "A vida é perto".

Jacobs adoraria tê-la ouvido e copiado, por servir como uma luva ao que verificou nos subúrbios norte-americanos ao observar moradores separando lixo ou debruçados nas janelas. Ela entendeu que lugares bons de viver se auto-organizam o tempo todo. Mas tudo indica que essa máxima nem sempre faz eco entre os gestores da cidade, particularmente os do setor privado. Um dos maiores espantos causados em arquitetos e urbanistas estrangeiros em visita ao Brasil não são as favelas, mas a falta de permeabilidade entre os prédios de alto padrão e a rua. Em miúdos, a arquitetura contemporânea tem apreço pela prática medieval de se fechar em muros, esconder-se em cortinas de vidro fumê, em criar simulacros para que os moradores olhem o quanto menos para fora. Que o façam a bordo de um carro.

Essa falta de convite à urbanidade – seja por causa da arquitetura, seja pela carência de estrutura à caminhada – chama à violência tanto quanto a pobreza, o desemprego, a informalidade, entre outras causas da criminalidade reconhecidas e registradas em cartório. O que não é visto não é amado. O que não é frequentado vira território de uns poucos, particularmente de traficantes. Mais: onde não há calçada e árvore, o conceito de cidade entra em colapso. É tema de interesse e bem merecia ocupar o debate público.

O mago da internet no século 21, Steven Johnson, figura entre os entusiastas da vida inteligente que se nutre das calçadas – calçadas que chegam a inexistir em tantas cidades. Em Belém, no Pará, por exemplo, há calçamento em pouco mais de 50% da área urbana. Os "passeios", entende Johnson, podem ser mágicos, pois são espaços de intimidade urbana, nos quais olhares são trocados entre desconhecidos, provocando novas interações e improvisos criativos. A vitalidade de qualquer município nasce de sua capacidade de permitir esses "ensaios", o que pode ser alcançado ao oferecer praças, a sombra das árvores e áreas seguras para caminhar – essa verdade não vale apenas para Londres ou Paris, que tanto se beneficiam dessas práticas.

O economista Paul Krugman, para bem longe da experiência etnográfica de Jane Jacobs ou das tentativas de Steven Johnson de relacionar a cidade e a rede de computadores, também descobriu que "a vida é perto". Em sua pesquisa, partiu de uma suspeita – a de que a rotina urbana não se move, sobremaneira, motivada pelas imposições sociais, como as leis de trânsito e zoneamento. É o indivíduo anônimo, na interação com seus próximos, que garante a ordem do espaço público e a convivência. A democracia se faz com os pés, diria.

As eleições municipais não deixam mentir. Cada vez mais, é nelas que se decide o destino da sociedade. Ali se dão as soluções ambientais ou onde se encontram saídas para a violência. Um prefeito pode atrair os olhos do mundo; tomara que o faça pela inteligência com que lida com árvores e calçadas, perto das quais tudo começa.

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