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Editorial

Expor o abuso de autoridade é cortar o mal pela raiz

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Brasileiros ainda não perceberam que a "defesa da democracia" do STF é puro abuso de autoridade. (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

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Paulinho da Força se arrependeu de ter assumido a relatoria do PL da Anistia. Apesar de seus quase 20 anos no Congresso, ele realmente (e ingenuamente) acreditou ser possível costurar uma proposta que agradasse tanto a esquerda que grita “sem anistia” até em festa de aniversário infantil quanto uma direita que fez da anistia uma de suas razões de existir. Não funcionou, evidentemente, e sua proposta de substituir o perdão por uma redução de penas, uma dosimetria, não agradou a absolutamente ninguém – até porque a ideia era mesmo absurda, além de representar um “ativismo judicial às avessas”, já que a dosimetria de penas é tarefa do Judiciário, não do Legislativo.

O desabafo do deputado e ex-sindicalista mostra como a direita no Congresso de fato está empenhada na causa da anistia, demonstrando uma combatividade incomum. E não lhe falta razão. A anistia é causa justa e necessária. É inaceitável que cidadãos brasileiros estejam na prisão (ou em casa, mas sofrendo o equivalente moderno da “morte civil”) por crimes que não cometeram, condenados em processos nos quais não lhes foi concedido o direito básico à ampla defesa, com denúncias e condenações no atacado, sem a devida individualização da conduta, e em desrespeito ao princípio do juiz natural. Esmorecer não é uma opção. Mas, ao mesmo tempo, é a essa direita que lançamos uma pequena provocação: ela não estará concentrada demais na árvore enquanto perde de vista a floresta?

Se desejamos que os brasileiros percebam o acerto da anistia, primeiro será preciso que eles percebam como o que parecia “defesa da democracia” era abuso de autoridade puro e simples

Explicamos. Se hoje fala-se tanto em anistia, é porque há uma percepção bastante ampla (e acertada) por parte da direita em relação às injustiças cometidas no que chamamos, dias atrás, de show trials brasileiros: os processos do 8 de janeiro e os “processos do golpe”. No entanto, tais injustiças são consequência, uma etapa particularmente drástica em um processo muito maior, em que ministros do STF se convenceram de que, em nome de uma suposta “defesa da democracia”, vale absolutamente tudo, inclusive solapar os princípios e direitos democráticos mais básicos. O Supremo não começou prendendo; começou censurando, investigando sem motivo, transformando entreveros aeroportuários em “ataques à democracia”, inventando “crimes de cogitação”, em resumo: abusou e continua abusando de sua autoridade. As prisões arbitrárias são o produto mais aberrante, mais acintoso, mas a fonte está no abuso de autoridade.

Um obstáculo substancial para que a sociedade como um todo encampe a pauta da anistia é uma percepção generalizada de que o país vive uma normalidade democrática, de que o Supremo tem agido corretamente, de que as condenações foram justas. Evidentemente, há uma minoria ideologizada de brasileiros para quem de fato vale tudo contra adversários políticos; esses não serão convencidos de maneira alguma. Mas existem inúmeros brasileiros, inclusive formadores de opinião, que têm compromisso democrático e, por motivos os mais diversos, têm uma visão neutra ou até mesmo positiva das ações do STF, especialmente de Alexandre de Moraes. Se desejamos que eles percebam o acerto da anistia, primeiro será preciso que eles percebam como o que parecia “defesa da democracia” era, na verdade, abuso de autoridade puro e simples.

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E meios para isso não faltam. Dorme em alguma gaveta de Hugo Motta o requerimento de instauração da CPI do Abuso de Autoridade, que cumpre todas as exigências constitucionais para sua abertura. Motivos para investigação não têm faltado – pelo contrário, eles apenas crescem, graças a revelações como as do perito Eduardo Tagliaferro na “Vaza Toga 2”. E nem seria preciso chegar à responsabilização de ministros do Supremo em processos de cassação no Senado (embora também haja razões para tal): o objetivo, aqui, é o de expor a toda a nação, com riqueza de detalhes, como foi possível que o STF passasse a agir à revelia da Constituição, das garantias e princípios democráticos, para implantar uma autocracia em que, camuflado de “defesa da democracia”, o arbítrio se tornasse a norma.

Não se trata, portanto, de reduzir a pressão pela anistia, e sim de aplicar no mínimo a mesma combatividade para outras propostas que ataquem não as consequências, mas as causas da distopia brasileira. Quando o Brasil finalmente perceber como o STF abusou de sua autoridade, e quando o país finalmente se indignar com este abuso – e com a forma como as autoridades iludiram por tanto tempo uma nação, fingindo trabalhar “pela democracia” –, seremos capazes de colocar um fim nas censuras, nas prisões arbitrárias, na criminalização de discursos lícitos, na perseguição política. Só então teremos normalização e pacificação, construídas sobre bases democráticas sólidas.

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