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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e a ministra da Economia, Silvina Batakis, na cerimônia de posse desta última, em 4 de julho de 2022.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e a ministra da Economia, Silvina Batakis, na cerimônia de posse desta última, em 4 de julho de 2022.| Foto: Juan Ignacio Roncoroni/EFE

Gasto estatal pesado para revigorar a economia – esta é a aposta do esquerdista Alberto Fernández para superar o que ele chama, muito eufemisticamente, de “momentos difíceis”. Em cerimônia na Casa Rosada, diante de vários governadores de províncias, o presidente argentino anunciou obras de um pacote que chamou de “Argentina Grande”. Imitando à risca o Brasil petista, Fernández não se limitou a arrumar um PAC para chamar de seu; também recorreu à retórica da “herança maldita” para explicar a crise e a altíssima inflação do país – só lhe faltou usar a expressão, mas a ideia é exatamente a mesma.

Com mais 5,3% de elevação em junho, uma leve aceleração em comparação com os 5,1% de maio, a inflação oficial argentina chegou a 64% no acumulado dos últimos 12 meses e a 36,2% no primeiro semestre de 2022. Isso significa que apenas um milagre fará com que a Argentina cumpra a meta de inflação acertada com o Fundo Monetário Internacional (FMI) quando renegociou parte de sua dívida. No acordo, costurado pelo (agora ex-)ministro Martín Guzmán, previa-se que os preços subiriam de 38% a 48% neste ano; o mais provável, no entanto, é que a inflação fique acima até mesmo dos 76% agora estimados pelo Banco Central da Argentina.

A promessa de mais gasto público como solução para a crise condiz com as crenças da mandatária de fato do país, a vice-presidente Cristina Kirchner

“As obras públicas serão a força motriz da economia”, prometeu Fernández, ao lado do ministro de Obras Públicas, durante o anúncio do pacote de US$ 6,5 bilhões, em que também criticou as parcerias público-privadas que estavam responsáveis por “algumas obras muito importantes” quando a esquerda voltou à Casa Rosada. A promessa de mais gasto público como solução para a crise condiz com as crenças da mandatária de fato do país, a vice-presidente Cristina Kirchner, para quem não há relação nenhuma entre desequilíbrio fiscal e inflação. É uma indicada sua, Silvina Batakis, quem está à frente do Ministério da Economia depois que Guzmán pediu sua demissão.

“Querem nos deprimir todos os dias. Todos os dias eles fazem o impossível para nos fazer sentir que estamos no pior de todos os mundos. Alguns o fazem dizendo, falando, as mesmas pessoas que nos causaram a depressão estão agora chegando para nos dizer o quanto estamos deprimidos, e outros o fazem agindo, especulando, colocando-nos em risco permanentemente, no limite”, acrescentou Fernández, referindo-se à oposição de centro-direita, como se os responsáveis pelo caos argentino fossem o ex-presidente Maurício Macri e os congressistas de seu partido. O atual presidente usa, assim, a carta da “herança maldita” que Lula tanto empregou contra Fernando Henrique Cardoso, de quem recebeu uma economia estabilizada, graças ao Plano Real e ao tripé macroeconômico composto por câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação.

Ironicamente, a frase estaria perfeita caso Fernández estivesse falando não de Macri e da centro-direita, mas de sua própria vice-presidente. Foi durante a passagem de Cristina Kirchner pela Casa Rosada que a Argentina afundou na crise, a ponto de as estatísticas oficiais de inflação não serem mais consideradas confiáveis pela revista britânica The Economist. E, se alguém “fez o impossível para nos fazer sentir que estamos no pior de todos os mundos”, foi a mesma Cristina Kirchner, ao usar o Twitter para tornar-se a crítica mais veemente das políticas da dupla Fernández-Guzmán, especialmente depois que o peronismo foi derrotado nas primárias parlamentares de 2021. Macri não “causou a depressão”; ele a herdou de sua antecessora. Seu erro foi passar a crise adiante ao não ter tido a coragem de realizar as reformas radicais de que o inchado Estado argentino necessitava.

A atual crise argentina já ganhou tanta tração que simplesmente freá-la já exigiria um choque de responsabilidade que o peronismo de esquerda abomina. Em vez disso, no entanto, Fernández e Cristina Kirchner apostam em novas doses do veneno da explosão do gasto público. E, ao contrário do que o presidente quer fazer crer com seu discurso, só poderão culpar a si próprios quando o resultado inevitável vier, em forma de mais inflação e mais fuga de dólares.

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