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Parte dos traficantes flagrados vendendo drogas pode ficar livre da prisão se o governo federal conseguir seu intento de alterar no Congresso Nacional a Lei 11.343/2006. A proposta, nascida no Ministério da Justiça, prevê que o "pequeno" traficante, des­­de que não tenha ligação com o crime organizado e que ande desarmado, seja condenado a penas alternativas. Nos debates sobre o assun­­to, tanto o ministro Tarso Genro quanto o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Pedro Abramovay, defendem que a medida evitará a cooptação de quem trafica pequenas quantidades de droga pelas redes do crime organizado dentro das prisões. O Mi­­nistério também argumenta que, nesse cenário, a polícia poderia concentrar-se na repressão aos grandes traficantes.

O pano de fundo da discussão é a situação do sistema prisional que tem dois objetivos principais: punir e ressocializar. Ocorre que, com o subdimensionamento do sistema, o Estado mal dá conta de cumprir a primeira fi­­nalidade, que é a de aplicar ao condenado uma sanção proporcional ao dano por ele causado à sociedade. A ressocialização é, no mais das ve­­zes, uma utopia. Olhando-se para tal quadro, é mais fácil entender a tese do governo federal, sem dúvida carregada das melhores intenções.

O que a tese não contempla é o grave risco que corre a sociedade quando a batalha contra as drogas, que demanda as melhores estratégias, se submete a uma limitação de ordem operacional, como é o caso das restrições do nosso sistema carcerário.

A proposta do Ministério da Justiça também não detalha como se daria na prática a aplicação das penas alternativas, que obviamente demandam, além de um estudo logístico, uma parceria com os demais segmentos sociais. Seria preciso, por exemplo, grande cooperação da comunidade que receberia os serviços alternativos das pessoas condenadas por tráfico.

Há outras variáveis que não podem ser negligenciadas nessa equação. Dada a possibilidade de rápida ascensão no mundo do narcotráfico, a separação de "pequenos" e "grandes" traficantes é, muitas vezes, apenas questão de tempo. Além disso, nos elos dessa cadeia, em alguma medida, todos estão ligados ao crime organizado – uma realidade que faz desabar o conjunto de condições previsto para a concessão de penas alternativas.

As mudanças propostas pelo governo também não conseguirão, como propõem, evitar que os grandes traficantes se aproximem dos novatos no ramo. A cooptação só mudará de foco: em vez de reforçar suas redes no ambiente prisional, o tráfico contará com uma ajuda extra do Estado nas ruas e morros, pois, sabendo da relativa impunidade, poderá tirar maior partido da estratégia de ramificação que já utiliza a seu favor. Eliminado o risco da prisão, o ingresso no mundo do tráfico parecerá ainda mais atraente.

Ao redor do mundo, as estratégias que se mostraram efetivas no combate ao crime vão justamente na mão oposta. Em Bogotá ou Nova Iorque, foi a repressão aos pequenos delitos que fez o crime regredir. Também não é demais lembrar que a Lei 11.343 já prevê a possibilidade de se aplicar uma condenação menor aos réus primários. Nessas situações a pena pode ser reduzida em até dois terços.

Uma alteração tão radical da lei, como quer o governo federal, pode estimular uma sensação de impunidade entre os traficantes e, por consequência, trazer maior insegurança para a sociedade. É uma falsa saída para um problema de proporções nacionais. A solução é complexa e passa certamente por um caminho apontado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe): o aperfeiçoamento do sistema prisional de modo a separar, nas prisões, pequenos e grandes traficantes.

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