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Em junho, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, se reelegeu em um pleito no qual o grande tema era a negociação entre o governo e os narcoterroristas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Santos, defensor do diálogo, conseguiu a reeleição, mas viu 45% dos votos irem para um adversário defensor da linha-dura contra os guerrilheiros, sinal de que parte significativa da população colombiana ainda via com reservas o entendimento com um grupo que vem causando sofrimento ao país por décadas. As conversações estavam evoluindo, mas o sequestro do general Rubén Alzate, do cabo Jorge Rodríguez Contreras e da advogada Gloria Urrego, no domingo passado, colocaram um novo desafio para as pretensões do governo de acabar de vez com o conflito.

A reação do presidente foi imediata: já na segunda-feira, Santos anunciou que as negociações estavam interrompidas. No dia seguinte, as Farc confirmaram o sequestro do general e responderam com uma ameaça: "A integridade do refém será garantida até onde a ira estatal permitir", insinuando que o governo não deveria tentar nenhuma operação militar para libertar os reféns. Ao longo da semana, diplomatas cubanos e noruegueses costuraram um acordo entre o governo e as Farc para a libertação de Alzate, Rodríguez e Gloria, além de outros dois soldados sequestrados em uma outra ocasião, mas até a noite de sexta-feira ainda não havia a confirmação de que os reféns tinham sido devolvidos pela guerrilha.

A ação das Farc evoca justamente os pontos dolorosos que ainda não foram acertados entre governo e guerrilha: as punições por dezenas de milhares de sequestros e outros atos violentos cometidos pelos narcoterroristas. Muitos dos sequestrados foram mantidos longe de suas famílias e amigos por vários anos. Manter as conversações de paz (e não apenas as negociações para a libertação dos reféns) diante desse novo episódio seria visto como uma atitude de desrespeito para com tantas vítimas e seus familiares.

De um ponto de vista estritamente técnico, as Farc consideram o sequestro legítimo, pois o grupo já havia indicado, em 2012 (quando começaram as negociações de paz), que abririam mão de sequestrar civis, mas seguiriam raptando militares – no entanto, é de se notar que não apenas a advogada Gloria é civil (apesar de ser assessora do Exército), como também que Alzate estava em roupas civis quando foi levado. Além disso, as ações militares do governo colombiano contra as Farc seguem em andamento; Santos acertadamente tinha se recusado a estabelecer um cessar-fogo enquanto durassem as negociações, já que no passado as Farc se aproveitaram de outras iniciativas de paz para se rearmar e fortalecer. Assim, os narcoterroristas encaram o sequestro de militares como ações de guerra, e é de se questionar se, mesmo com um eventual final feliz para Alzate, Rodríguez e Gloria, as Farc darão continuidade a essa prática.

É justamente aqui que reside um aspecto crucial tanto do conflito quanto das negociações para encerrá-lo. No Twitter, o ex-presidente e agora senador Alvaro Uribe acusou Santos de permitir que as Farc se vissem como iguais às Forças Armadas. As Farc têm a ambição de serem reconhecidas como força beligerante, em status de igualdade em relação ao governo que combatem. É essa concepção que precisa ser rechaçada, pois o grupo tem de ser encarado como o que realmente é: uma guerrilha que busca recursos no narcotráfico e recorre ao terrorismo para conseguir seus objetivos. É sintomático que os governos de vários países sul-americanos, inclusive o Brasil, se recusem a considerar as Farc uma organização terrorista (ao contrário de Estados Unidos e União Europeia). É aceitável que o governo colombiano, como detentor legítimo do direito ao uso da força, continue combatendo as Farc; mas isso não autoriza a guerrilha a seguir com seus métodos.

Santos tem diante de si um grande desafio. A maioria dos colombianos quer a paz, mas discorda de qualquer acordo que represente impunidade e leniência para com os narcoterroristas. A questão que se coloca é se o sequestro do domingo passado, ainda que resolvido rapidamente, mudará sua postura mais adiante, na busca por uma solução que coloque um ponto final neste drama sul-americano.

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