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Qual seria a melhor estratégia para um governo acuado pela Operação Lava Jato e interessado em jogar água na fervura das investigações que chegaram ao centro do poder petista? O Judiciário e o Ministério Público são independentes; a pressão, ali, precisa ser disfarçada, dissimulada, lançada nas entrelinhas. Mas, no organograma do Poder Executivo, há uma instituição formalmente sujeita a ataques mais explícitos: a Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça. E é ali que o governo resolveu apostar suas fichas.

Já afirmamos em várias ocasiões que uma das convicções mais arraigadas do petismo é a de que os órgãos de Estado estão a serviço do partido. Para isso vale recorrer ao aparelhamento e à intervenção descarada. Foi por isso que José Eduardo Cardozo, que ocupou o Ministério da Justiça desde o primeiro dia de governo de Dilma Rousseff, deixou a pasta graças à pressão do ex-presidente Lula, para quem era obrigação de Cardozo domesticar a Polícia Federal para que a Lava Jato não incomodasse o chefão petista e seus familiares. Já que o ministro foi “omisso” nessa missão tão importante, não servia mais para o cargo, tendo sido deslocado para a Advocacia-Geral da União.

Se Aragão estiver realmente disposto a minar a Lava Jato, a sociedade precisa reagir com força

Se Cardozo caiu não por seus erros reais, mas por suas falhas no serviço ao partido, o perfil ideal para seu substituto já estava implícito. Após a trapalhada cometida por Dilma Rousseff e Jaques Wagner ao promoverem a nomeação inconstitucional de um protegido do então ministro-chefe da Casa Civil (erro prontamente corrigido pelo Supremo Tribunal Federal), o governo chegou ao nome do subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, cuja posse ocorreu sob a sombra da divulgação das escutas feitas e divulgadas com autorização da Justiça, algumas das quais citavam o novo ministro em termos que o colocaram em uma situação nada confortável.

Em 27 de fevereiro, Lula conversou com o ex-ministro Paulo Vannucchi e se referiu a Aragão: “Eu às vezes fico pensando até que o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela p..., porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, mas tá sempre dizendo ‘olha...’” – a cobrança provavelmente se referia à ação de Aragão dentro da Procuradoria-Geral da República, pois na data do telefonema Cardozo ainda era o ministro da Justiça. Em 14 de março, Lula e o ex-ministro Gilberto Carvalho conversam sobre a indicação de Aragão para a pasta e reforçam que o novo ministro “precisa ter pulso”.

E Aragão não perdeu tempo. Em entrevista publicada no sábado pelo jornal Folha de S.Paulo, o novo ministro até inicia com salamaleques à independência da PF, mas depois deixa claro: as delações premiadas obtidas pela Lava Jato são “extorsão” (“não quero nem falar em tortura”, insinua), ainda que na realidade a iniciativa parta dos acusados, como estratégia de defesa. E ameaça: se sentir “cheiro” de vazamento promovido por integrante da PF, trocará toda a equipe da Lava Jato. “Eu não preciso ter prova”, afirma, para que todos saibam quem é que manda. A simples suspeita bastará para trocar uma equipe inteira, apesar da expertise acumulada – há outro nome para isso que não seja arbitrariedade?

Na mesma entrevista, Aragão não garantiu a permanência “de ninguém neste ministério”, respondendo a uma pergunta sobre o diretor-geral da PF, Leandro Daiello. Mas a notícia de que, nos bastidores, Aragão já está procurando um substituto levou o ministério a divulgar uma nota afirmando que Daiello “continua gozando de plena confiança por parte do ministro da Justiça”.

As perguntas óbvias são: por que punir todo um time com base em meras suspeitas se há meios para encontrar e punir os responsáveis por vazamentos irregulares? A quem interessa o segredo sobre o conteúdo das investigações? Aragão fala em “seletividade de vazamentos”, como se apenas o governo fosse prejudicado, mas tem algo a dizer sobre o fato de as escutas mostrarem que Lula sabia da Operação Aletheia? Enfim, o que pretende o ministro com todas essas ameaças e declarações? Se Aragão estiver realmente disposto a minar a Lava Jato, a sociedade precisa reagir com a mesma força que demonstrou após a tentativa de levar Lula para o ministério.

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