
Nenhum governante gosta de juros altos, e com razão. Eles encarecem a dívida pública (ao menos, a parte dela que é indexada à taxa básica de juros) e o crédito necessário para investimentos que levam ao crescimento econômico, a variável que governantes mundo afora mais gostam de exibir como prova de que estão fazendo a coisa certa – ainda que esse crescimento seja inflado por políticas expansionistas que são as razões exatas pelas quais bancos centrais são obrigados a elevar os juros para conter a inflação, como tem sido o caso brasileiro recente.
E poucos governantes têm sido tão hostis em seus ataques à autoridade monetária nacional quanto Lula. Quando ainda estava na oposição, o PT foi contrário ao projeto de lei que garantia autonomia do Banco Central, chegando a buscar o STF na tentativa de derrubar a regra aprovada em 2021. O motivo era simples: a autonomia blindava os diretores do BC de ingerências políticas, impedindo que a esquerda, caso voltasse ao poder, substituísse todos os diretores para impor as próprias preferências. Assim, Lula foi obrigado a conviver por dois anos com Roberto Campos Neto, que se tornou o bode expiatório favorito do presidente da República, ainda que as decisões do Copom fossem tomadas de forma colegiada, e muitas elevações da Selic tenham sido aprovadas com o voto de diretores indicados já por Lula.
Um banco central precisa de liberdade para definir sua política monetária com critérios técnicos, e não de acordo com os humores de um presidente ou primeiro-ministro
Mesmo quando a maioria dos membros do Copom passou a ser de diretores nomeados pelo petista – incluindo o novo presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo –, a Selic continuou subindo, por motivos que o colegiado se cansou de explicar em comunicados e atas: a política fiscal perdulária do governo teria efeitos inflacionários catastróficos se não fosse contida por uma política monetária contracionista. Se Lula estava esperando diretores dóceis à sua vontade, ao menos até agora deu com os burros n’água; e, graças à autonomia consagrada em lei, não pode trocar seus indicados por um grupo de paus-mandados que reduzam os juros na marra, sem base técnica, como ocorrera no primeiro mandato de Dilma Rousseff, com o BC sob Alexandre Tombini.
Ainda assim, Lula não perde uma oportunidade de pressionar o Banco Central quando se aproximam as reuniões do Copom, e reclama quando o encontro termina sem um desfecho que lhe agrade. O presidente pode até terceirizar as críticas mais ácidas, dando a impressão de que está poupando Galípolo, mas não esconde o seu desejo de ingerência política sobre as decisões do Banco Central. E esta ingerência, como a experiência recente do Brasil demonstra, costuma ser desastrosa para um país. A política fiscal é prerrogativa do governante de plantão, mas um banco central precisa de liberdade para definir sua política monetária com critérios técnicos, e não de acordo com os humores de um presidente ou primeiro-ministro, que naturalmente sempre desejará juros os mais baixos possíveis.
Nos Estados Unidos os juros têm estado, desde o fim de 2024, na faixa de 4,25% a 4,5% ao ano – um sonho para os padrões brasileiros, mas bastante altos para os padrões norte-americanos –, e a elevação da taxa, especialmente em 2022 e 2023, foi a resposta às pressões inflacionárias causadas pela recuperação econômica pós-pandemia. Mas o presidente Donald Trump não tem gostado nada da prudência adotada pelos diretores do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), e vem pressionado por reduções nos juros desde que iniciou seu segundo mandato. Às vésperas das reuniões do Fomc (o comitê que decide a taxa de juros, e cujos membros incluem todos os governors do Fed), ele usa seus perfis em mídias sociais para pressionar a autoridade monetária e afirma que os diretores agem com “motivação política” quando os juros não caem.
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O principal alvo da pressão é Jerome Powell, o presidente do Fed, que é para Trump o que Campos Neto fora para Lula. Mais recentemente, Trump ameaçou processar Powell usando como pretexto reformas em prédios do órgão, chamou-o de “idiota” e afirmou que ele deixará o cargo antes do fim do mandato de presidente, em maio de 2026. Excetuando-se renúncia ou morte, isso só ocorreria caso Trump demitisse Powell por “justa causa”, o que ainda poderia ser questionado na Justiça. Até agora, o norte-americano não tem ido além das ameaças, mas um episódio ocorrido nos últimos dias representa um teste para as ambições de Trump.
Na segunda-feira, o presidente norte-americano demitiu Lisa Cook, que faz parte do Board of Governors do Fed e, portanto, também integra o Fomc. Cook poderia permanecer no Fed até 2038, mas Trump alegou fraude hipotecária como a “justa causa” que permitiria o encerramento prematuro do seu mandato. Ainda não há nem mesmo processo judicial a respeito dessa acusação, e Cook prometeu brigar na Justiça pelo seu posto. Mas, ainda que de fato ela tenha cometido irregularidades ou mesmo crimes que justificam sua remoção, isso não justificaria toda a pressão que Trump tem colocado sobre o Fomc e, especialmente, sobre Powell.
Qualquer presidente, de Lula a Trump, tem o direito de acreditar que os juros praticados em seus países deveriam ser mais baixos que os atuais. Mas usar seu poder para pressionar a autoridade monetária é, como afirmamos, uma ingerência altamente deletéria, colocando critérios políticos acima de decisões que deveriam ser técnicas. A ofensiva de Trump contra o Fed em nada difere dos ataques lulistas ao BC e a Campos Neto; quem repudia esta também há de rejeitar aquela.



