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Sede do Banco Central, em Brasília: autonomia da autoridade monetária vem sendo duramente criticada pelo presidente Lula.| Foto: Rodrigo Oliveira/Caixa Econômica Federal.

Terceirizar a culpa é uma regra não escrita dos governos de Lula, adotada quase que desde o primeiro dia de seu primeiro governo, 20 anos atrás, quando o petista passou a falar de uma suposta “herança maldita” deixada por Fernando Henrique Cardoso – justamente o responsável por liderar a equipe que derrotou a hiperinflação em 1994 e que, na Presidência, deixou como um de seus legados o tripé macroeconômico. Pois agora, quando as estimativas indicam que o Brasil terá um crescimento pífio em 2023, e com perspectivas de manutenção da inflação nos atuais patamares nada confortáveis, Lula já escolheu um culpado de antemão: o Banco Central – ou, mais especificamente, a autonomia da instituição.

“Não existe nenhuma razão para a taxa de juros chegar a 13,75%”, afirmou Lula no dia 2 em entrevista ao canal de televisão RedeTV. Na mesma ocasião, ainda disse: “Quero saber do que serviu a independência [do BC]. Eu vou esperar esse cidadão [Roberto Campos Neto, presidente do BC] terminar o mandato dele pra gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”. E a metralhadora giratória não parou desde então. “É só ver a carta [ata] do Copom pra gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram pra sociedade brasileira”, disse no dia 6, durante a posse de Aloizio Mercadante no BNDES. E, na segunda-feira, dia 7, Lula voltou à carga em café da manhã com representantes da imprensa dita “independente” (melhor seria descrever a maior parte dos presentes como “chapa-branca”), ao dizer que Campos Neto “deve explicações não a mim. Ele deve explicações ao Congresso Nacional, a quem o indicou”.

Um Banco Central autônomo está fora do controle do petismo e de seus economistas gastadores, e por isso o PT jamais apoiou a autonomia do BC

A autonomia do Banco Central foi conseguida a muito custo durante o governo de Jair Bolsonaro, e finalmente libertou a autoridade monetária das interferências políticas do governo de plantão. A cúpula da instituição continua a ser escolhida pelo presidente da República e aprovada pelo Senado, mas tem seu mandato blindado por quatro anos, que não coincidem com os mandatos dos políticos eleitos; durante este período, presidente e diretores do BC só saem do cargo se pedirem demissão ou forem condenados criminalmente; o presidente da República pode até querer se livrar de Campos Neto ou de algum diretor do BC antes do fim de seus mandatos, mas para isso terá de justificar sua decisão e submetê-la ao Senado. Sem a espada de Dâmocles dos humores palacianos sobre suas cabeças, os chefes do BC podem fazer o que considerarem necessário em sua missão de controlar a inflação, sem perder de vista os objetivos secundários de fomentar o pleno emprego e o crescimento econômico. Foi assim, usando critérios técnicos e não políticos, que o Copom trouxe a Selic ao patamar mais baixo da série história – 2% ao ano, entre agosto de 2020 e março de 2021 –, e foi assim que ele voltou a elevar os juros quando percebeu a pressão inflacionária, chegando aos atuais 13,75%.

E o que não faltam são explicações para a recente alta dos juros. Mas, ao contrário do que diz Lula, a responsabilidade não é de Campos Neto. A inflação é fenômeno global (a brasileira, aliás, ainda está abaixo da registrada em economias sólidas do Ocidente rico) e tem causas externas, que colocam o Brasil no banco do carona. Mas há outros fatores internos que têm colaborado para o enfraquecimento da moeda, especialmente a pressão pelo aumento do gasto público – não as centenas de bilhões de reais necessários durante a pandemia, mas as recentes gambiarras fiscais como a PEC dos Precatórios, a PEC dos Benefícios e a PEC fura-teto, todas elas apoiadas pelos poderes Executivo (o anterior e o atual) e Legislativo. Quem deve explicações são os que pediram e os que aprovaram a gastança e as medidas que desmoralizaram a âncora fiscal brasileira, fortalecendo a inflação, minando a confiança do investidor no país e levando o Banco Central a agir com a única ferramenta à disposição, a política monetária.

Lula, claro, não quer saber de nada disso – pois isso significaria admitir que ele é protagonista no processo que está resultando na atual Selic. O que ele quer é jogar a culpa no Banco Central até conseguir um Tombini para chamar de seu. Alexandre Tombini foi o presidente do BC nos dois mandatos de Dilma Rousseff e, pressionado pela petista, iniciou um ciclo de redução artificial e insustentável da Selic em agosto de 2011, quando os juros eram de 12,50% ao ano; 14 meses depois, eram de 7,25%, mas não permaneceram nesse patamar por muito tempo, voltando a subir e sendo represados novamente em 2014, na casa dos 11%, para ajudar a campanha de reeleição de Dilma. O intervencionismo resultaria em inflação de dois dígitos em 2015 e a pior recessão da história do país em 2015-16.

Como afirmamos dias atrás, trata-se de controle. Um BC autônomo está fora do controle do petismo e de seus economistas gastadores. Por isso o PT jamais apoiou a autonomia do Banco Central, a ponto de uma peça publicitária da campanha de 2014 ter associado a autonomia (sugerida pela então candidata do PSB, Marina Silva) ao sumiço de comida na mesa do brasileiro. Esta ânsia por retomar o cabresto sobre o Banco Central leva Lula a afirmar disparates como “ele [Campos Neto] quer chegar à inflação padrão europeu? Não. Nós temos de chegar à inflação padrão Brasil”, ignorando que a inflação é uma das piores mazelas econômicas que podem acometer uma nação, corroendo o poder de compra de todos os brasileiros, mas especialmente do cidadão mais pobre, aquele que não tem como se proteger da desvalorização da moeda.

Com todo esse histórico, não é nada surpreendente a ofensiva petista contra o Banco Central e sua autonomia, ofensiva esta que agora o ministro Alexandre Padilha tenta minimizar. Só a ingenuidade pura levaria alguém a acreditar que Lula daria ouvidos à ala mais responsável da “frente ampla” de inocentes úteis que o ajudaram a se eleger, e cujo apoio faz deles corresponsáveis, em maior ou menor grau, pelo desastre que virá se a autonomia do Banco Central for revertida e voltarmos à época do intervencionismo irresponsável, ou se a gastança desenfreada for demais até mesmo para as armas à disposição de um BC autônomo.

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