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| Foto: Steve Gray/Free Images

Está na mesa do presidente Michel Temer, para sanção, a flexibilização do horário de transmissão d’A Voz do Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que permite às emissoras comerciais de rádio escolher o horário em que o programa, que tem duração de 60 minutos, irá ao ar, dentro de uma janela que vai das 19 às 22 horas. Até agora, a veiculação ocorria obrigatoriamente das 19 às 20 horas de segunda a sexta-feira.

A Voz do Brasil é um resquício do regime de Getúlio Vargas; o programa foi criado em 1935 (então com o nome A Hora do Brasil) para divulgar os atos do governante que se tornaria ditador em 1937. Chega a ser surpreendente que o programa tenha atravessado oito décadas, incluindo vários períodos de normalidade institucional, mantendo uma lógica profundamente antidemocrática: não é aceitável que, durante uma hora, toda a rede radiofônica tenha sua variedade de programação simplesmente calada e seja obrigada a transmitir uma única voz, aquela do Estado. Este aspecto escapou até mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que chegou a decidir pela obrigatoriedade do horário em algumas ocasiões – a mais recente foi uma decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, em 2012.

Há muitas décadas, os acordes iniciais de “O Guarani” são a senha para desligar o rádio

Uma agravante é o fato de o programa ser transmitido em um horário crucial para muitos brasileiros – o momento em que eles estão deixando seus locais de trabalho e retornando para suas residências. Mesmo na era dos aplicativos de mapas e trânsito, a informação fornecida pelo rádio continua sendo fundamental, especialmente em circunstâncias como enchentes e manifestações. Não à toa já houve emissoras que desafiaram a determinação legal em grandes metrópoles afligidas por fortes chuvas para manter seu ouvinte informado a respeito de locais inundados e congestionamentos. E o próprio governo já demonstrou que não há base para impor o horário das 19 às 20 horas quando flexibilizou a transmissão, por conta própria, por motivos bem mais triviais: em 2014, Dilma Rousseff assinou medida provisória permitindo a mudança de horário d’A Voz do Brasil devido aos jogos da Copa do Mundo – mesmo emissoras que não estavam transmitindo as partidas ganharam essa permissão. Em 2016, Michel Temer fez o mesmo por ocasião dos Jogos Olímpicos.

O projeto aprovado pelo Congresso pelo menos retira o caráter antidemocrático da imposição de um horário único para A Voz do Brasil, mas ainda está longe do ideal. O poder público já tem seus veículos de comunicação – vários deles, aliás; que os use para promover suas ações, em vez de forçar emissoras privadas a fazê-lo. Ou, então, que os três poderes realizem uma comunicação atrativa de modo tão atraente que as emissoras se interessem a ponto de fazer sua transmissão voluntariamente. Afinal, não é segredo para ninguém que, há muitas décadas, os acordes iniciais da abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, são a senha para desligar o rádio – em um desserviço à memória e ao talento do compositor paulista. O programa raramente vai além da reprodução de pronunciamentos, em sua maioria irrelevantes, das autoridades, servindo mais à autopromoção que a um autêntico serviço de utilidade pública.

Nossas convicções:O valor da comunicação

Leia também: O rádio e sua parcela de responsabilidade social (artigo de Rogério Chiocchetti, publicado em 12 de novembro de 2014)

A necessidade da publicidade dos atos governamentais está consagrada no artigo 37 da Constituição. Faz todo o sentido: o cidadão tem o direito de saber o que o poder público tem feito e como o dinheiro do contribuinte está sendo usado. Mas isso não pode ser feito atropelando a democracia e impondo a transmissão de um conteúdo, ainda mais em um horário unificado para todas as emissoras. O fato de A Voz do Brasil gastar tempo demais tratando do que foi dito em detrimento do que foi feito só piora a situação, mas a obrigatoriedade de um horário único já seria sumamente grave ainda que o programa fosse de qualidade excepcional. Não há como não concluir que a mudança era necessária e demorou até demais para vir.

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