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Nenhuma política econômica tem unanimidade. Qualquer conjunto de instrumentos que o governo use para intervir na economia é passível de críticas, e há mais de um caminho quanto às escolhas possíveis, razão por que há divergências entre as diferentes correntes de economistas. Apesar disso, há certos aspectos da gestão das contas públicas que são consenso mundial, sobre os quais há pouca ou quase nenhuma divergência.

Um exemplo de consenso diz respeito ao resultado final das receitas tributárias totais menos as despesas gerais do governo. Em determinadas circunstâncias e sob certos limites, o gasto geral pode ser superior às receitas totais e resultar em déficit público nominal perfeitamente financiável por empréstimos. O acúmulo de déficits, entretanto, leva à formação de dívida pública, sobre a qual o Tesouro Nacional tem de pagar juros e, como consequência, os juros passam a fazer parte do conjunto de despesas a serem cobertas pelo orçamento governamental.

Como decorrência da dívida pública e da conta de juros, criou-se o conceito de "resultado primário", que é o saldo das receitas menos as despesas antes do pagamento dos juros. É consenso que, se o governo tem déficits nominais em vários anos e acumula um estoque de dívida, torna-se necessário que o resultado primário seja positivo – ou seja, superávit primário. Caso o governo não tenha superávit em determinado ano, ele terá de rolar o principal da dívida vencida, deve tomar novos empréstimos para pagar os juros e, caso o resultado primário seja déficit, será obrigado a tomar outro tanto de empréstimos para suportar o déficit.

O déficit primário mais os juros da dívida e mais o principal de empréstimos vencidos no ano passam a ser o total da chamada "necessidade de financiamento do setor público", que é o quanto a dívida do governo irá aumentar naquele ano. Não é preciso ser especialista para compreender que uma situação como essa não pode prosseguir por muito tempo, sob pena de transformar o governo em uma entidade devedora em montante que o país não consegue suportar.

Pois é exatamente isso que está ocorrendo com as contas públicas brasileiras, no momento em que o governo acaba de anunciar um déficit primário de R$ 15,7 bilhões de janeiro até setembro de 2014. A gravidade da situação é tão mais séria quanto mais se sabe que o governo já tem uma dívida pública total bruta igual a 60% do PIB de um ano. Ocorre que, do PIB, o governo tem somente uma parte: 36%, que é a arrecadação tributária total. Desde 1997 o Brasil não vivia situação como essa, pois as contas apresentavam superávit primário que, embora nunca tenha sido suficiente para cobrir os juros da dívida, contribuía para amenizar o crescimento do endividamento governamental.

Mas eis que, em vez de confessar a tragédia do estouro das contas públicas e tomar medidas para consertar o problema, o governo brasileiro resolve aumentar a bagunça já existente nos balanços fiscais desde que a presidente Dilma resolveu manipular os lançamentos contábeis para apresentar resultados mentirosos. Agora, o governo acaba de ir ao parlamento para pedir autorização a fim de excluir das contas de gastos os pagamentos de obras do PAC e valores de isenções tributárias concedidas. Ou seja, trata-se de uma mentira contábil. Os gastos foram feitos. O que o governo quer é tirá-los do balanço, como se eles não tivessem existido.

Trata-se de uma atitude grosseira, primária e ilegal. O que a presidente Dilma está tentando é obter autorização do Congresso Nacional para fazer essa "jogada" tecnicamente condenável e dar um ar de legalidade à bagunça. Os analistas internacionais há tempo vêm alertando para as manipulações grosseiras feitas na contabilidade do setor público brasileiro, agravadas pelo fato de que são feitas para esconder resultados ruins na execução da política fiscal.

Além de ser inútil, pois a doença financeira dos déficits já está instalada no organismo governamental, essas jogadas vão reduzir a confiança dos investidores internacionais no país e acabarão levando as agências de classificação de risco a rebaixar a nota do Brasil. As consequências são conhecidas: elevação da taxa de juros nos empréstimos internacionais tomados pelo país e fuga dos investidores estrangeiros. Tais consequências são danosas ao país e, se ocorrerem, servirão para castigar ainda mais a combalida economia nacional com recessão e desemprego.

Até quando a miopia do governo Dilma Rousseff se recusará a entender essas coisas simples é algo que não dá para prever – infelizmente.

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