• Carregando...

Precisamos falar sobre bullying. Eis uma das máximas da educação nesses idos de 2015, por mais que se tenha dito a respeito. Somando as primeiras fumaças sobre o assunto, lá se vão mais de 50 anos de debates em torno da violência escolar e suas derivações, desde que o cientista norueguês Dan Olweus levantou a questão. É conversa longa o bastante, inclusive, para que muitos atestem sua inutilidade. O excesso de preocupação com o bullying nada mais seria do que um sintoma da infantilização da sociedade e da negação contínua de que crianças e adolescentes também podem enfrentar o tédio e a frustração.

Pensar assim, contudo, é se render à simplificação. O bullying é um fato. Mina a vida escolar. Destrói histórias. E, se não foi percebido antes, era porque a compreensão da infância se mostrava menor e a estrutura da escola, mais autoritária, o que impede a detecção de determinados panoramas. Talvez se deva dizer que o maior problema não é o direito do bullying a existir como palavra e como fenômeno. O problema é entender como se dá, tarefa sem a qual não se pode combatê-lo. É o ponto em que estamos.

Como foi comentado neste espaço em outra ocasião, a tese de doutorado Compreensão da violência escolar no âmbito da Polícia Militar do Paraná, defendida em 2014 no Setor de Educação da UFPR pelo capitão da PM Luciano Blasius, mostrou uma verdade que não quer calar: o bullying é subnotificado ao extremo, daí sua invisibilidade estatística, o que diminui a força do debate e as políticas de prevenção. E, quando notificado, é unilateral – sabe-se mais da agressão dos colegas entre si e dos alunos para com professores do que a agressão dos professores contra alunos. Essa forma também existe e está entre os problemas que devem ser encarados.

Toda a comunidade escolar deve estar envolvida – incluindo o guarda municipal e a cantineira, para citar dois profissionais além dos professores

O maior impasse, no entanto, continua a ser identificar as situações de bullying na escola e enfrentá-las. As instituições pisam em ovos, pois alegam estar assoberbadas demais com o ensino para lidar com a questão. Para amenizar o impacto, o bullying costuma ser apontado como “entrevero sem importância entre os alunos”. Enquanto essa mentalidade não mudar, a agressão continuará a gerar evasão escolar, dificuldades de aprendizado, violência e – claro – negação do espaço escolar como lugar de convivência e prática de valores cidadãos.

Entre as sutilezas da questão, saliente-se que as agressões não acontecem apenas “entre os muros da escola”, tomando aqui emprestado o título do filme de Laurent Cantet, estrelado pelo professor François Bégaudeau. O longa, baseado em livro do próprio Bégaudeau, explora tensões entre adolescentes da periferia de Paris. O território estendido da agressão é fato para o qual os especialistas sempre chamam atenção, sem muito sucesso. Debaixo da vigilância dos mestres, os bullies tendem a se aproveitar da calçada, do transporte coletivo e do entorno para detonar os colegas.

Em relatos ouvidos pela reportagem – sobre a transposição da agressão para o interior do transporte coletivo –, um aluno do ensino médio da rede pública estadual gritou dentro do ônibus lotado que “aquela menina” tinha tido relações sexuais com um colega. Não fez o anúncio exatamente com essas palavras. O “capricho” no vocabulário e os descritivos foram tão fortes ou piores que a agressão em si. Aquela aluna se tornou forte candidata a abandonar a escola. E, para os professores, saber dessa agressão “a bordo”, ou mesmo considerá-la, está fora das possibilidades.

Quanto ao que se pode fazer para evitar situações como essa, resta dizer que se trata de um trabalho contínuo. E que toda a comunidade escolar deve estar envolvida – incluindo o guarda municipal e a cantineira, para citar dois profissionais além dos professores. É preciso que todos estejam aptos para identificar o bullying, em suas sutilezas, como parte da lógica do cuidado com as crianças e os adolescentes. Não há trégua.

Motivos, a rodo. O bullying é o que se pode chamar de “uma brincadeira sem graça”. Aproxima-se da tortura. Por mais que se tente neutralizá-la, todo mundo sabe do que se trata. Ou um dia foi presa ou predador. Estima-se que pelo menos 40% dos estudantes tenham se envolvido algum dia numa situação típica de violência – e são muitas as evidências de que os pais colaboram nesse quadro ao se mostrarem, no espaço doméstico, excludentes, discriminadores e preconceituosos. Dado o alto grau de sofisticação da violência escolar, outra estimativa é de que metade dos que sofrem algum tipo de agressão dessa natureza temem relatá-la, amargando o problema.

Ameaçar com punição ainda maior faz parte do modus operandi dos bullies. Daí a recomendação geral dos especialistas: calar jamais. Quem sofre bullying deve fazer barulho e colocar a agressão às claras, de modo a evitar que a violência escolar seja naturalizada.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]