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No último domingo (13), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, publicou uma carta aberta em resposta às críticas feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no contexto da nova tarifa de 50% imposta a produtos brasileiros. Carta aberta que evidencia quão distante de uma compreensão clara da realidade o ministro se encontra.
Segundo Barroso, as críticas de Trump estariam fundamentadas em uma “compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país”. Repetindo argumentos já utilizados em outras ocasiões, o ministro voltou a defender o papel do Judiciário brasileiro diante das chamadas “crises democráticas recentes” e prega que o “Judiciário está ao lado dos que trabalham a favor do Brasil e está aqui para defendê-lo”.
A visão distorcida de Barroso, compartilhada por muitos de seus colegas de toga, é a de que o Supremo está acima de qualquer crítica, acima da Constituição, acima da própria democracia – a mesma que os ministros da Corte frequentemente dizem proteger
Toda a carta é um exercício de contradição. Barroso reivindica uma “descrição factual e objetiva da realidade”, afirma que ninguém tem o direito de “torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e viveram” e prega que a vida ética deve ser conduzida com “valores, boa-fé e a busca sincera pela verdade”. Mas, ao apresentar sua versão dos fatos – supostamente objetiva –, faz exatamente o que condena: distorce o real. Não atribuímos aqui a ele boa ou má-fé, mas, de forma objetiva, uma leitura da realidade muito, mas muito equivocada. Se fosse fiel aos fatos, teria de reconhecer que, no mérito, Trump está certo.
Em sua carta a Lula, o presidente norte-americano reiterou críticas já conhecidas ao processo contra Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado, classificando-o como uma “caça às bruxas”. Também denunciou ações do STF contra a liberdade de expressão, acusando a Corte brasileira de emitir “centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídia social”.
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Deixando de lado, por ora, a questão tarifária – que se assemelha mais a uma sanção econômica e que, como já destacamos, não nos parece o melhor caminho para enfrentar a crise democrática brasileira –, é impossível negar que a análise de Trump toca num ponto central e verdadeiro: o abuso de poder por parte da mais alta corte do Brasil. Este editorial tem alertado, de forma reiterada, para a fragilidade jurídica dos processos relacionados ao 8 de janeiro, que não atingem apenas Bolsonaro, mas também centenas de brasileiros, alvos de injustiças processuais e, nesses casos concretos, já julgados, de punições desproporcionais, quando não arbitrárias.
Ao responder Trump, Barroso compara as manifestações de 2022 em frente a quartéis com a Intentona Comunista de 1935, rotulando ambas como “ameaças institucionais”. Faz menção a supostas ameaças aos ministros do STF – “inclusive de impeachment”, destaca, como se isso fosse fora da ordem democrática, o que, por si só, patenteia a imensa confusão conceitual e de visão em que o ministro está imerso – e afirma que a Corte atuou como “um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições democráticas”. E conclui: “No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório.” Mais uma infeliz inverdade.
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Como demonstrado pela própria imprensa – inclusive por este jornal –, brasileiros têm sido alvo de punições severas por expressarem opiniões críticas ao STF, em processos marcados por atropelos ao devido processo legal. O caso do colunista da Gazeta do Povo, Rodrigo Constantino, é emblemático. Conhecido por sua crítica incisiva à Corte, ao governo Lula e à esquerda em geral, Constantino teve suas redes sociais suspensas, contas bancárias bloqueadas e passaporte cancelado por ordem do ministro Alexandre de Moraes – e até hoje denuncia que não teve acesso à íntegra do processo, que tramita em sigilo. Ainda que Constantino tivesse cometido abusos na liberdade de expressão, o que não é o caso, essas punições não se justificariam. Imagine-se, então, tendo se mantido dentro dos limites constitucionais!
Outro caso gritante é o da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, presa em março de 2023 por ordem do mesmo ministro, acusada de participar de tentativa de golpe de Estado. Seu "crime"? Pichar, com batom, a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao STF. Dois anos depois, em abril de 2025, foi condenada pela Primeira Turma da Corte, com violação de princípios elementares do devido processo legal, a 14 anos de prisão por cinco crimes, incluindo tentativa de golpe, associação criminosa armada e dano ao patrimônio tombado. Isso não é justiça; é justiçamento – e dos mais ignóbeis.
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Na tentativa de refutar Trump, Barroso também alega que o STF tem sido um bastião da liberdade de expressão, apresentando a atuação da Corte como “uma das mais avançadas do mundo”, que supostamente protege “a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais”. Mas os fatos dizem o contrário. Foi o próprio Supremo que derrubou o Marco Civil da Internet – um texto legal, aprovado democraticamente e perfeitamente constitucional – para impor, no lugar, um modelo de controle da comunicação digital que abre caminho para a censura ampla, difusa e sigilosa, com consequências econômicas e sociais ainda imprevisíveis. Uma jurisprudência que, se não contida, asfixiará o debate público, ainda que num primeiro momento pareça prejudicar apenas um dos lados desse debate, além de poder comprometer a atividade de quem vive do comércio e da informação online.
A visão distorcida de Barroso, compartilhada por muitos de seus colegas de toga, é a de que o Supremo está acima de qualquer crítica, acima da Constituição, acima da própria democracia – a mesma que os ministros da Corte frequentemente dizem proteger. É a ideia de uma instituição que não presta contas, não reconhece limites e não admite sequer a possibilidade de erro ou de ser criticada – seja por uma pessoa comum ou pelo presidente da nação mais poderosa do mundo. Um tribunal que se vê como infalível e inviolável não é um tribunal – é um poder absoluto, que jamais poderá estar ao lado dos que realmente trabalham a favor do Brasil.



