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Multiplicam-se e ganham força no Senado Federal, mais uma vez, projetos de regulamentação das mais variadas atividades profissionais, dentre as quais se destacam, por exemplo, as atividades de vaqueiro, barista, modelo de passarela, teólogo, DJ, catador de papel, repentista e quase tudo o mais que se possa imaginar.

São propostas que, na maioria das vezes, revelam-se absolutamente desarrazoadas e que trazem em seu âmago duas falhas bastante graves. A primeira delas diz respeito ao fato de que a regulamentação de profissões, se realizada sem necessidade, tende a promover uma injusta e abominável exclusão de pessoas do mercado de trabalho. Trata-se de algo que tende apenas a minar iniciativas individuais, a aumentar os níveis de desemprego e a agravar problemas sociais já existentes. Ocorre que a segunda falha é ainda mais grave. Projetos tais como os acima mencionados encontram absoluta dissonância com o disposto na Constituição Federal de 1988, a qual prevê que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Mais do que isso, violam um texto constitucional que preconiza o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Violam regras de liberdade e a premissa de que, apenas em caráter excepcional e diante de uma evidente necessidade social, pode a lei estabelecer a necessidade do preenchimento de determinados requisitos ou condições.

A premissa, portanto, é a liberdade de atividade. Qualquer limitação ao exercício de trabalho, ofício ou profissão se justifica somente diante de inequívocas razões de ordem pú­­blica, notadamente a proteção dos cidadãos e a minimização de riscos relevantes. Por isso, vale esclarecer, não se está aqui a defender uma liberdade ilimitada e desprovida de responsabilidade, pois é patente que, em determinadas situações, a lei pode e até mesmo deve estabelecer restrições e regramentos próprios pa­­ra algumas atividades. Porém, isso só se justifica diante de sólidas razões de ordem pú­­bli­­ca, para a redução de riscos significativos e pa­­ra a proteção da coletividade. Pois bem, em relação às atividades acima mencionadas, as perguntas a serem respondidas são as seguintes: que ameaças reais e relevantes podem surgir a partir das atividades de vaqueiro, barista, mo­­delo de passarela, teólogo, DJ, catador de pa­­pel e repentista? É muito difícil responder.

Há em curso no país, sem dúvida, uma equivocada percepção acerca das pessoas e das atividades por elas exercidas. Uma percepção limitadora da diversidade. Uma percepção que não compreende a grandiosidade do ser hu­­mano e a sua capacidade de se reinventar e de se desenvolver pessoal e profissionalmente. É triste perceber que, no Brasil, o apego pela bu­­rocracia parece ser bem maior do que o respei­­to à liberdade. É triste perceber como um di­­ploma pode virar sinônimo de competência; como um carimbo pode substituir a criatividade; como uma carteira profissional pode dar a sensação de reconhecimento; e assim por diante. Assim, é preciso que a sociedade brasileira perceba a gravidade do insaciável e desarrazoado movimento regulamentador em cur­­so. É preciso que a sociedade perceba a importância dos princípios contidos na Constituição Federal de 1988 e que, pouco a pouco, livre-se das excessivas amarras indevidamente criadas ao longo das últimas décadas.

Propostas regulamentadoras como as que aqui se apresentam não interessam à sociedade como um todo e nem mesmo às pessoas diretamente envolvidas (os vaqueiros, os repentistas, os DJs, os baristas etc). A quem, então, interessam? Quem serão os verdadeiros beneficiados? Ante a imensidão das reais e importantes mazelas que afligem o povo brasileiro, causa espanto e indignação a estreiteza de visão de alguns integrantes do Senado Federal. E a derradeira pergunta que se faz é: fosse também "regulamentada" a função de senador, preencheriam muitos deles os mais básicos e elementares requisitos para o desempenho do cargo? Provavelmente não.

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