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O lendário economista Mario Henrique Si­­monsen, ministro da Fazenda de 1974 a 1979, costumava dizer que a inflação aleja, mas o câmbio mata. Ele queria dizer que, se o país sofresse uma escassez de dólares, haveria estrangulamento das importações e a economia entraria em colapso. Na sua época de ministério, a afirmação era ainda mais verdadeira, pois o Brasil dependia de petróleo, trigo, máquinas, equipamentos, tecnologia e insumos agrícolas importados, sem os quais o sistema produtivo nacional não teria como funcionar. Ainda que muita coisa tenha mudado e o Brasil tenha se tornado praticamente autossuficiente em petróleo, se houver forte redução nas importações de bens, serviços e tecnologias que fazem parte da matriz de produção nacional, o sistema produtivo se desorganizará de tal forma que uma recessão de altas proporções será quase certa.

Para manter o fluxo de importações em seu curso normal, o país precisa de dólares, que são obtidos pelas exportações, pelo ingresso de capitais para investimentos diretos (novas fábricas, novos equipamentos e novos negócios de estrangeiros aqui dentro) e por capitais financeiros que entram para aplicação em bolsa de valores ou no mercado financeiro. Se o volume de dólares ingressados por essas vias não for suficiente para cobrir as importações de bens e serviços, o pagamento da dívida externa e a remessa de lucros, o Brasil terá de recorrer a empréstimos internacionais em órgãos oficiais ou em bancos privados.

Para que o país possa funcionar e seguir produzindo e crescendo, essa conta tem de fechar de forma tranquila, sem sobressaltos. O balanço de pagamentos (nome da contabilidade que registra as operações em moeda estrangeira) é composto da balança comercial de mercadorias, do balanço de serviços e do balanço de capitais, é um dos mais importantes pilares da economia nacional e precisa ser administrado com competência, para que, como dizia Simonsen, uma crise cambial não empobreça o país. No desempenho do balanço de pagamentos, o preço da moeda externa (a taxa de câmbio) exerce um papel decisivo, tanto para determinar o volume de exportações quanto o de importações e, atualmente, o Brasil vive um drama: a taxa de câmbio, que não supera a casa do R$ 1,80 por dólar, vem criando enormes dificuldades para os exportadores e está começando a prejudicar o saldo das contas externas.

Para impulsionar as exportações e permitir que os exportadores aufiram lucros no exterior, as estimativas mais conservadores mostram que a taxa de câmbio deveria estar na faixa dos R$ 2,20. Um dos grandes desafios do próximo presidente do Brasil será como atacar a sobrevalorização da moeda nacional frente ao dólar, que é um problema de grande monta, e o go­­verno não poderá eximir-se de tomar as medidas necessárias. A situação do balanço de pagamentos es­­tá sendo agravada pelo fato de a China ser o maior parceiro comercial do Brasil e a moeda daquele país estar muito desvalorizada em relação ao dólar, contribuindo para piorar as contas brasileiras.

Enquanto o Brasil é regido por liberdade cambial e deixou o real se valorizar, a China não quer saber de liberdade nesse mercado e mantém sua moeda altamente desvalorizada. A política cambial chinesa vem sendo atacada por países importantes do comércio mundial, inclusive os Estados Unidos, porque ela significa concorrência desleal. O comércio exterior não tem sido uma arena de regras iguais e o jogo da compe­­tição não anda limpo. Embora a política cambial brasileira seja correta, na atual circunstância o go­­verno tem de agir e, sem destruir o mercado livre de câmbio, precisa implantar medidas destinadas a neutralizar ou, pelo menos, minorar os efeitos da política cambial chinesa. Ainda que seja um tema técnico e complexo, de difícil compreensão pela população, ele será um dos temas principais na campanha presidencial, pela importância na trajetória da economia brasileira e na distribuição de renda.

Não se trata de defender o fim do câmbio flutuante nem a volta do tabelamento do dólar, porque seria retornar a um passado sem sentido no atual estágio da economia mundial. Porém medidas pontuais, se­­letivas e direcionadas a enfrentar práticas desleais de­­vem ser admitidas, pois o Brasil não pode deixar que o quadro das contas externas piore a ponto de co­­locar em risco o crescimento econômico e a estabilidade monetária. Quando as contas externas pioram, surge a necessidade de elevar fortemente a taxa de juros, para estimular a entrada de dólares, medida que deve ser evitada, pois ela atuaria como uma bom­­ba sobre a estabilidade econômica, o crescimento e o padrão de vida da população. Com câmbio não dá pa­­ra brincar e, se o país não tomar providências, a Chi­­na poderá ser o algoz da economia brasileira.

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