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A escuridão que tomou conta de dezoito es­­tados brasileiros na noite da última terça-fei­­ra, paradoxalmente, ajuda a deixar ain­­da mais clara uma questão tão antiga quanto preocupante para o país: suas agudas deficiências no campo da infraestrutura. O apagão, de causas ainda não totalmente conhecidas, afetou a ima­­gem daquela que seria a "joia da coroa" do sistema elétrico nacional, a gigantesca Itaipu, segun­­da maior usina do mundo, responsável pela energia que abastece 25% das casas e que move a economia dos estados mais populosos e mais industrializados do Brasil.

Afora o fato de que o desastre – cujos prejuízos foram calculados em R$ 55 bilhões – tenha virado motivo para a ressurreição da pendenga política que no apagão anterior obscureceu o governo de Fernando Henrique Cardoso, acusado de não ter investido o suficiente para evitá-lo, o da semana que passou renovou o alerta sobre a fragilidade não só do sistema energético, mas também sobre o apagão que abrange todos os outros importantes setores da nossa infraestrutura, entre eles o do setor aeroportuário, como apontamos no editorial da sexta-feira.

Mais relevante do que caçar culpados – discutindo se este governo foi tão irresponsável quanto o anterior nesta área para, com isto, prognosticar quem vencerá a eleição do ano que vem – é concentrar esforços para que o problema não se repita. Mais do que isso: para que os problemas (no plural) que nos afetam possam ser superados com a celeridade que se exige.

O Brasil atual, nas palavras do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, atravessa neste momento o que chama de "rito de passagem" – a passagem de um tempo que coloca o país entre os emergentes para um tempo em que se igualará social e economicamente às nações mais desenvolvidas. Ele prevê para 2022, ano em que o Brasil comemorará os 200 anos da Independência, o pe­­ríodo a partir do qual deixaremos no passado a história de miséria e subdesenvolvimento.

As bases estão plantadas: estabilidade monetária consolidada, riquezas naturais inigualáveis, educação e qualificação em processo de melhoria, extensão agricultável capaz de alimentar o planeta, mínima segurança jurídica para investimentos, excelentes perspectivas quanto à produção petrolífera – enfim, todas aquelas qualidades tão decantadas pela literatura ufanista e até mesmo pelos técnicos menos otimistas. Entretanto, se neste período que nos distancia da fronteira de que fala Bernardo não forem satisfeitas as demais condições garantidoras do desenvolvimento, não há como inaugurar a nova etapa.

É impensável viabilizar um país com a extensão territorial do nosso sem se lhe prover adequadamente de rodovias e ferrovias para escoar a produção. Não há como expandir a indústria sem energia barata, suficiente e segura. Não há como aproveitar o crescente dinamismo do comércio internacional de mercadorias se portos e aeroportos não existirem em quantidade e qualidade compatíveis. Não há como atrair investimentos privados nem como assegurar competitividade aos produtos e serviços se não for superado o apagão infraestrutural a que ainda estamos presos.

Nos transportes, cerca de 65% da malha rodoviária brasileira está em condições que vão de ruins a péssimas, deficiência que nos faz perder 10% da produção agrícola e acrescentar de 10% a 15% ao seu custo final. No setor de saneamento, o retrato é desolador – 27% das residências não têm acesso a rede de esgoto e a água tratada ainda não chegou a 11% das casas. Na área de energia, estima-se que, para o país crescer a uma taxa de 4,5% ao ano, será preciso acrescentar 4 mil megawatts todos os anos ao sistema.

É bem verdade que obras têm sido empreendidas para vencer tais dificuldades, enumerando-se entre outras a duplicação da BR-101, do Nordeste ao Sul do país. Novas concessões rodoviárias tendem a melhorar a caótica situação das estradas federais mais estratégicas. Ferrovias já com a construção em andamento farão a integração Leste-Oeste e Norte-Sul. Portos, operados pela iniciativa privada, vêm recebendo investimentos maciços em modernização.

Entretanto, as décadas de sucateamento a que tudo foi submetido em razão da incapacidade, quer gerencial, quer financeira do Estado, não se vencem de uma hora para outra. Nem será vencida apenas pelo Estado. Há necessidade do aporte de grandes capitais privados – o que só se obtém sob uma outra condição em que o Brasil se apresenta igualmente capenga, isto é, segurança jurídica e marcos regulatórios permanentes e atrativos.

Só assim o fantasma do apagão energético e todos os demais apagões poderão ser exorcizados. Algo vital para o país desenvolvido que se sonha para 2022.

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