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São favas contadas: as regras da licença-maternidade vão mudar. Com elas, alteram-se umas tantas relações no mundo do trabalho e da família, fazendo com que a pedra do dominó empurre tudo – o efeito em cadeia passa pelo RH das empresas e acaba na cozinha das casas. É o bastante para que a sociedade brasileira aperte o pause e se ponha a matutar sobre a nova ordem. Não será um parto tranquilo.

Os fatos são conhecidos. Não é de hoje que um movimento subterrâneo batalhava para alterar a licença-maternidade de quatro meses para seis meses. Motivos, "de metro, vagão e quilômetro", como diziam os antigos. É moleza encontrar na literatura médica e psicológica informes de que a amamentação prolongada, o afeto, a permanência da mãe junto ao recém-nascido são um bálsamo para ambos: evita um vale de lágrimas e gastos precoces com creche.

Em paralelo à alegria dos lares – digna de um filme de Frank Capra –, não falta à literatura do Direito do Trabalho e ao Direito Tributário sinais de alerta a cada vez que a troca de quatro por seis meses entra em pauta. Trata-se do assunto com dedos, tamanho o risco de que alguém veja nas discordâncias à proposta a voz da Besta-Fera. Em artigo publicado na Gazeta do Povo, a advogada Melissa Folmann, com proficiência, fez as contas do quanto esses dois meses representam a mais no bolso do empregador e – sem deixar de cantar loas à relação mãe e filho – fez seu aparte: vem abalo por aí. Segurem-se.

Seria ingênuo ignorar o impacto econômico da licença ampliada – direito garantido até então apenas para servidores públicos e seguida de forma voluntária em empresas privadas, conforme reza a Lei 11.770. E como cabe ao bom advogado do diabo, seria irresponsável desconsiderar o impacto no cuidado dos filhos causado pela entrada maciça das mulheres no mundo do trabalho. Empate? Que vença o mais fraco?

Melhor chamar de impasse. Em miúdos, ou se coloca esse tema sobre a mesa – inclusive na ponta do lápis – ou se corre o risco de perpetuar a tirania sobre a mulher e descuidar da infância, o que é inadmissível em qualquer sociedade minimamente desenvolvida. Pipocam dados sobre a representação feminina em empresas, universidades e no comércio.

Um dos dados mais contundentes vem da Fundação Carlos Chagas. Entre 1976 e 2007, nada menos do que 32 milhões de mulheres passaram a bater cartão aqui e acolá. Que os machões não ouçam, mas nesse período as mocinhas fizeram muito mais pelo país do que os mocinhos. Estima-se que mais de 40% das brasileiras peguem no batente. E assim por diante.

Ainda que os índices só melhorem, apagando a imagem da dona de casa à margem da vida, impera aquela tendência de "elas" serem o chefe da casa, "elas" ganharem menos do que eles, "elas" continuarem cuidando sozinhas dos seus, mesmo trabalhando fora, "elas" estarem mais sujeitas à violência", "elas" sofrerem pressão no emprego e, por que não dizer, nos processos de seleção, para saber se pretendem ter filhos e se estão de barriga. Ou seja, ainda que a melhor profissional, a mulher carrega, na visão dos trogloditas, o impedimento da gravidez. Não são flores.

Parte dessa prática atrasada, claro, fica nas entrelinhas, de modo a não ferir a correção política. Difícil quem se pronuncie num púlpito, dando a cara a tapa. A postura algo insensível em relação à família persiste como uma sarna. É preciso civilizá-la e reconhecer que o tempo para um filho vale cada centavo. Não vem ao caso aqui traduzir em cifras esse investimento afetivo, o que tributaristas e afins sabem fazer muito bem. Mas cabe afirmar um valor supremo, o da maternidade assistida, responsável e garantida pelas leis.

Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), aprovada em 3 de agosto pelo Senado – e agora à espera de aprovação pela Câmara dos Deputados – é parte de um processo civilizatório. O Brasil dá passos em direção à igualdade e respeito à mulher, assim como nas políticas de infância. Por tabela, não poderia bancar o joão-sem-braço numa questão de fundo como a licença-maternidade. Tem a ver alhos com bugalhos.

A questão, contudo, é que dá para fazer tudo isso sem meter demais a colher num caldo sempre prestes a desandar como o da economia das empresas médias e pequenas. Muitos microempresários não vão conseguir dançar essa música, pelo menos por enquanto, o que pode acarretar em perdas e danos para muita gente. Resta o tal do bom-senso – a dizer.

O modelo de adesão voluntária das empresas privadas à licença-maternidade vai muito bem, obrigado, e bem pode ser usado por mais tempo. Serve de gatilho – à medida que os grupos se organizam e dão pé à sua saúde financeira, adotam a medida ou são convencidos a fazê-lo. Essa apropriação gradual de uma política de governo é bem mais sensata, com a vantagem de brecar essa atração irresistível que o Brasil tem pelo dirigismo estatal, parte de suas núpcias frustradas com o finado modelo soviético e cubano.

Agora, contudo, é esperar para ver. Há quem diga ser caminho sem volta: serão seis meses e ponto. Há quem diga ser um passo importante. Há quem diga ser mais um debate abafado pela mania de subestimar nossa capacidade de chegar lá pela negociação contínua, acertando as diferenças sem que precisemos nos portar de maneira sempre igual. Eis o mundo real.

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