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O episódio dos últimos dias, que culminou com mortes na fazenda da empresa multinacional Syngenta, em Santa Terezinha do Oeste, no Paraná, resulta de um tenso conflito que se arrasta há décadas entre os movimentos de sem-terra, como o MST e a Via Campesina, e os proprietários de terras no Brasil. Tendo sido ocupada pelos sem-terra, a propriedade foi objeto de desapropriação pelo governo do Paraná, que acabou contestada na Justiça, e tornou-se foco de um longo conflito não-resolvido. Esse quadro resulta de duas realidades opostas: de um lado, os sem-terra na sua tática de invasão e, de outro, a empresa no exercício do seu legítimo direito de propriedade.

É uma situação trágica do ponto de vista social e econômico. Do ponto de vista social, porque é o reflexo de um drama que parece não ter fim, com perdas de vidas humanas, o que é lamentável por qualquer ângulo de análise. Do ponto de vista econômico, porque estudos do Banco Mundial e de outros organismos internacionais mostram que o primeiro pilar para o desenvolvimento econômico, necessário para melhorar a vida dos desempregados, é a existência do direito de propriedade e um sólido sistema de garantia do exercício desse direito. A própria China comunista instituiu, a partir dos anos 80, um regime de propriedade privada e estabeleceu leis de garantia do direito de possuir, tendo sido este o motor do assombroso crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB), coisa que o Brasil parece não entender.

Em 1970, o Brasil tinha 46% da sua população vivendo na zona rural. Trinta anos depois, esse percentual já havia se reduzido para 18%. O êxodo rural, resultante da mecanização agrícola, e a falta de uma reforma agrária capaz de reter famílias no campo geraram o fenômeno da superpopulação nas periferias das cidades. A multidão de trabalhadores vindos do campo, em grande parte sem qualificação e escolaridade para disputar empregos na indústria de transformação e no setor de serviços, criou o estopim de tensões sociais e deu impulso aos movimentos em favor da reforma agrária. Assim surgiu o MST, para o qual as altas taxas de desemprego deram expressiva contribuição. Hoje, o MST, a Via Campesina e seus similares, embora representem o trabalhador rural, agem como se fossem milícias, com fins claramente ideológicos e revolucionários, não restringindo seu recrutamento aos homens do campo.

Independentemente de considerações políticas, o fato é que os movimentos de sem-terra encontraram uma realidade social propícia ao seu crescimento e o Brasil convive, há muitos anos, com violentas invasões de propriedades rurais e outras práticas similares, a exemplo da ocupação de prédios públicos.

Os movimentos se sentem legitimados pela deterioração social, tendo, por isso, a simpatia de parcelas da sociedade, mesmo sendo o Brasil organizado sob a égide da propriedade privada e tendo esse direito garantido pela Constituição Federal.

Sobre a consciência de que a questão dos trabalhadores sem-terra e dos desempregados urbanos deve ser resolvida, não há dúvida. Mas, seguramente, país algum do mundo resolveu problemas similares por meio de políticas de invasão e agressão ao direito de propriedade. As mortes lamentáveis são apenas o corolário desse conflito que se arrasta há anos, cuja solução o Brasil parece não ter capacidade de implementar.

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