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O presidente da Câmara, Arthur Lira, durante sessão que votou a privatização da Eletrobrás.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, durante sessão que votou a privatização da Eletrobrás, em 21 de junho.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Entre uma privatização boa, uma privatização malfeita e privatização nenhuma, o Congresso Nacional fez sua escolha no caso da Eletrobrás. O Senado, ao analisar a Medida Provisória 1.031/21, tinha a possibilidade de remover os “jabutis” inseridos pela Câmara; por mais que a ação se tornasse inócua, dada a promessa do deputado relator, Elmar Nascimento (DEM-BA), de recolocar tudo de volta quando o texto tivesse novamente de passar pela Câmara, seria um sinal de que ao menos os senadores estavam comprometidos com o autêntico espírito da desestatização. Em vez disso, o que o senador Marcos Rogério (DEM-RO) fez foi acrescentar ainda mais obrigações, respaldadas pelos colegas e, em boa parte, confirmadas na votação desta segunda-feira, em que a Câmara aprovou novamente a MP, agora enviada à sanção presidencial.

A exigência de contratação de termelétricas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com a consequente obrigação de se construir os gasodutos necessários para a operação, foi um dos itens mais criticados quando da primeira votação na Câmara e também foi alvo da oposição de alguns senadores. Mas o número dos dissidentes não foi suficiente para convencer Rogério a retirar este trecho – pelo contrário, o relator no Senado dobrou a aposta, aumentando a quantidade de energia de termelétricas que o governo terá de contratar e incluindo usinas no Sudeste e outras regiões. Esta foi uma das alterações vindas do Senado e mantidas pela Câmara.

A tramitação da MP da Eletrobrás mostra que o Congresso não abrirá mão tão facilmente do uso político das estatais e fará questão de cobrar do país um preço altíssimo por essa perda de poder

O relator no Senado também avançou (no mau sentido da palavra) sobre o texto vindo da Câmara ao tornar obrigatório o aproveitamento de funcionários demitidos da Eletrobrás nos primeiros 12 meses seguintes à privatização – este remanejamento era facultativo na versão aprovada pelos deputados, que na segunda votação mantiveram a obrigatoriedade. Quando se considera que uma das críticas feitas costumeiramente às estatais é o seu quadro inchado, o único resultado possível desta exigência é ampliar ainda mais a folha de outras empresas, aumentando seus custos – divididos com o contribuinte, no caso das estatais deficitárias – e reduzindo sua eficiência.

Não bastassem os problemas no conteúdo, o Congresso ainda inovou na forma: a exigência da contratação das termelétricas foi incluída no parágrafo 1.º do artigo 1.º do texto, ao lado da previsão da privatização propriamente dita, em um período gigantesco, de 652 palavras, sem um único ponto. A legislação diz que o presidente da República pode vetar leis, artigos, parágrafos ou incisos inteiros, mas não pode vetar apenas uma frase, mantendo intacto o resto. Consequentemente, mesmo que queira, Jair Bolsonaro não poderá vetar apenas os trechos referentes às termelétricas, pois teria de cortar todo o parágrafo, inviabilizando a privatização. Este truque de redação é forte indicador da índole que moveu os congressistas no momento de alterar o texto original vindo do Ministério da Economia.

As introduções feitas no Senado agravaram as piores estimativas do custo final da privatização, que passaram de R$ 41 bilhões, que seriam incorporados à conta de energia dos brasileiros ao longo de alguns anos, para R$ 84 bilhões – governo e congressistas, por outro lado, insistem que a privatização, mesmo com todos os “jabutis”, levará a uma redução que varia de 5,1% a 7,4% nas tarifas. A título de comparação, o valor que se espera levantar com a emissão de novas ações – o meio escolhido para a privatização, ao reduzir a participação da União na Eletrobrás para menos de 50% – é de R$ 60 bilhões; desse valor, apenas uma parte, estimada em cerca de R$ 30 bilhões, vai para a Conta de Desenvolvimento Energético, fundo destinado a baratear a conta de energia elétrica.

A desorganização causada no setor elétrico pela MP 579, assinada em 2012 por Dilma Rousseff, com fanfarra e promessas de energia mais barata, mostrou que qualquer custo adicional imposto à geração e transmissão inevitavelmente terminará na conta do consumidor final, ainda que demore. Pois é o mesmo que ocorrerá com os “jabutis” da Eletrobrás caso as previsões negativas se confirmem. E a esquerda oportunista e estatizante estará pronta para vender a narrativa que colocará a culpa dos reajustes na privatização em si, e não nos acréscimos feitos pelos congressistas. Não à toa mesmo defensores ferrenhos da redução do tamanho do Estado, como o ex-secretário Salim Mattar, mostraram seu desagrado, com deputados liberais chegando ao ponto de votar contra o texto repleto de “jabutis” na tentativa de recuperar a MP original enviada pelo governo.

Não há dúvida alguma: é preciso privatizar, deixando que a iniciativa privada cuide de tudo aquilo que tem competência para gerir, e acabando com as indicações políticas que dão margem para todo tipo de negociata, desde a nomeação de apadrinhados em troca de apoio até a corrupção pura e simples. A Eletrobrás será privatizada? Sim, mas a tramitação da MP mostra que muitos parlamentares, por trás do discurso reformista, sabem muito bem o que está em jogo quando se trata de estatais, um paraíso que tantos partidos e políticos enxergam como propriedade particular, a ponto de verem como um “direito” seu a nomeação de presidentes, diretores e gerentes. O recado enviado nos últimos dias é o de que o Congresso não abrirá mão tão facilmente do uso político das estatais e fará questão de cobrar do país – sim, porque a conta não será paga por eles – um preço altíssimo por essa perda de poder.

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