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No dia em que a Terra parou – 11 de setembro de 2001 –, não foram apenas as Torres Gêmeas que ruíram. Veio abaixo também a crença de que o mundo tinha chegado tinindo e bem-informado às raias do século 21. Em miúdos, para parte significativa dos espectadores que acompanharam pela tevê as mil e uma repetições do ataque terrorista, o "Afeganistão" mais parecia uma invenção da literatura de Richard Bach – um lugar que não existe. E o Islã um conceito que só poderia ser definido na base de cacarejos e gaguejos.

Intelectuais do porte de Susan Sontag, Norman Mailer – hoje mortos – e Paul Auster bem que tentaram chamar seus conterrâneos às falas, argumentando que os americanos estavam de costas para o planeta, o que explicava muita coisa. A conversa ficou no calor da hora e arrefeceu como uma torta de maçã na janela. Quase uma década depois, exceto Osama Bin Laden ser uma celebridade tão conhecida quanto o Papa Bento XVI e Ronaldo Fenômeno, pouca coisa mudou.

A geografia e a cultura árabe permanecem objeto de um obscurantismo sem precedentes, acusando uma alienação política generalizada. Para conviver com o desconhecido, recorre-se ao velho maniqueísmo, que explica tudo justamente porque não explica nada.

A crença do "bem contra o mal", digna de um cruzado da Idade Média, permanece confortando os corações ignaros. Por ser tão fácil de preparar quanto um bolo Sol, só serviu para aumentar a islamofobia e o antiamericanismo, únicas ideologias nesta triste década que bem parece ser o fim do mundo.

O resultado veio a galope. As recentes rebeliões em países como Tunísia, Bahrein, Egito e Líbia, ou mesmo o malfadado enfrentamento das forças de Ahmadinejad no Irã, pegaram de surpresa até aqueles alunos aplicados que papagueiam qual é a capital de Burkina Faso ou da Etiópia. Diante de episódios como as manifestações da Praça Tahrir ou da anunciada Batalha de Trípoli daria para fazer uma versão moderna de "O grito", de Munch. Não faltam expressões de surpresa, em slow-motion, diante das legiões de homens e mulheres debaixo de turbantes, mandando ver nos twitters e quetais.

A falta de conhecimento em relação ao Oriente, vale lembrar, é uma construção tão antiga quanto as pirâmides. Leva tempo e pode-se dizer que grassou a partir do século 16. Mas ganhou fôlego depois da Primeira Guerra, com a ascensão inglesa e francesa sobre a sociedade árabe. A ocupação europeia passou o rolo compressor em culturas milenares, desconsiderou vínculos tribais e desdenhou crenças religiosas de um modo que nem um missionário jesuíta do Brasil Colonial, por amor ao próprio pescoço, ousaria.

O fim do Império Otomano, em 1918, e a geopolítica interesseira implantada nas terras do Ocidente outra coisa não fizeram senão transformar aquela parte do globo em algo mais complicado do que uma dinastia persa. Além disso, havia mais o que fazer: uma segunda guerra, as revoluções dos costumes. E ir ao cinema, arte que se ocupou de mostrar o sangue e a areia do Oriente bárbaro.

O egípcio Omar Sharif bem que fez algum barulho ao beijar a judia Barbra Streisand em Funny Girl. Soprou e passou. Houve Peter O’Toole virando beduíno no épico Lawrence da Arábia; e o convulsivo O céu que nos protege, de Bertolucci, para citar alguns. Mas nada que desfizesse a imagem do mundo árabe como um espaço exótico, perfeito para a sala escura e nada mais. Que se ocupassem do resto os negociadores de petróleo.

A própria imprensa contribuiu para o sombreamento muçulmano. É célebre a historieta do técnico de telex de uma redação que atirava no lixo, por conta própria, todas as notícias sobre a America Latina, África e países da Ásia que não fosse o Japão. Indagado por que não passava os textos para os chefes de reportagem, responde que se antecipava: era o que os via fazer. Poderia furtá-los dessa perda de tempo. O episódio bem serve para ilustrar a tara europocêntrica dos meios de comunicação. Idem para as escolas, igrejas e todo o resto.

O ponto em que estamos agora não é confortável. Sabe-se muito pouco sobre as contradições das Arábias – contradições essas que permitiram motins, alguns sangrentos, e o emocionante uso das redes sociais para ameaçar ditadores de cabelos pintados e uniformes camuflados, acostumados há décadas ao bunga-bunga do poder.

Também não se sabe o grau de atrofia das instituições nesses países. Se estiverem tão frágeis quanto se imagina, o Norte da África e adjacências – algumas delas visitadas apenas por quem ainda lê a Bíblia para o catecismo – estão com os shadores ao vento. Mal não faria se, à moda de uma madureza ginasial, corrêssemos atrás dos fatos que nos farão entender os novos enigmas às margens do Nilo. Dessa vez, o Saara, as odaliscas e sultões nos pedem mais do que marchinhas e fantasias de carnaval.

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