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Comecemos por imaginar uma situação absurda: alguém é assassinado e, avisada, a polícia primeiro vai ao juiz pedir-lhe autorização para só então iniciar as investigações para identificar o criminoso. É cabível? É plausível? Era algo semelhante que pretendia uma resolução baixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado exigindo que o Ministério Público só iniciasse apurações sobre supostos crimes eleitorais após o aval da Justiça. Apenas em casos de prisão em flagrante a investigação poderia começar sem autorização prévia. Na semana passada, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a impropriedade da medida e, por 9 votos a 2, suspendeu-a.

O obstáculo para a ação imediata do MP foi objeto de uma ação impetrada pela Procuradoria-Geral da República questionando a constitucionalidade de 11 artigos da resolução do TSE, incluindo o artigo limitando o poder de atuação do MP sobre crimes eleitorais. Apenas os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli – que agora preside o TSE – votaram pela manutenção da medida. Com um detalhe: era de Toffoli a autoria da resolução, que também estendia à Polícia Federal o impedimento de investigar crimes eleitorais, a não ser em casos de flagrante.

Entre as justificativas para a resolução do TSE, estava o fato de que muitas investigações sobre crimes eleitorais não chegam ao fim por falta de consistência, e apenas prejudicariam a imagem dos candidatos envolvidos, o que, ao mesmo tempo, consumiria recursos dos ministérios públicos levados a investigar denúncias que se revelavam inconsistentes e tendenciosas. Mesmo que se reconheça ser comum que, no calor das campanhas, candidatos levianamente denunciem adversários com o fim exclusivo de manchar a imagem deles e causar-lhes embaraços públicos que, não raras vezes, podem custar-lhes a eleição, limitar o poder de investigação do MP traria mais efeitos nocivos que positivos.

Ao inibir a livre atuação do Ministério Público e da Polícia Federal, impedidos de agir enquanto não obtivessem autorizações formais dos juízes eleitorais, a resolução acabaria por facilitar as transgressões e deixar impunes os seus autores. Haveria o perigo de transformar a campanha deste ano em palco de lutas selvagens, pois os partidos e candidatos poderiam se considerar praticamente livres para cometer infrações à legislação eleitoral, fazer caixa dois ou propaganda extemporânea ou ofensiva; burlar exigências da Lei da Ficha Limpa; falsear requisitos legais para o registro de candidaturas ou coligações.

Como argumentou o relator da matéria, ministro Luis Roberto Barroso, além da provável demora que decorreria em razão da espera por uma autorização judicial, havia outro inconveniente que absolutamente não poderia ser desconsiderado: a resolução do TSE acabaria por ferir uma cláusula nobre da Carta Magna, que assegura a independência do Ministério Público e, consequentemente, a sua não submissão ao controle do Judiciário no que concerne ao sistema acusatório.

Da parte do Supremo Tribunal Federal prevaleceu o bom senso – que se espera seja também obedecido pelo Ministério Público agora fortalecido em seu papel de vigilante da lei e do interesse público na condução do processo eleitoral.

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