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É perfeitamente compreensível que políticos não gostem da atuação da imprensa em relação ao poder público. A mídia expõe as contradições, apura denúncias e assume um papel de fiscalização das instituições cada vez mais aprofundado. E isso incomoda. Porém é claramente lamentável que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirme que os veículos de comunicação enfraquecem os poderes dos partidos políticos brasileiros e que se faz necessária a criação de mecanismos para que as legendas não percam sua legitimidade perante a atuação da mídia.

As declarações dadas por Sarney na semana passada, em um seminário do PMDB no qual se discutia estratégias de comunicação política, estão mais para uma análise irrefletida do papel da imprensa na democracia brasileira do que para uma reflexão da crise que os partidos vivem em sua relação comunicativa com o eleitorado. Sarney confunde as dificuldades dos partidos em representar a sociedade com o papel da imprensa livre no processo democrático.

Segundo o presidente do Senado, "o Congresso, depois de um mês [das eleições], dois, três, começa a ser contestado. Os deputados não sabem por que foram eleitos e o eleitor não sabe mais que elegeu o deputado. A partir daí, a mídia e seus instrumentos entram e dizem: não, nós passamos a representar o povo". Para Sarney, os políticos deveriam disputar espaço com a mídia, ONGs e a própria sociedade, a fim de fortalecer os partidos.

Por meio de sua análise tortuosa, Sarney jamais conseguirá resolver os problemas de representatividade e de comunicação com os eleitores. Em primeiro lugar porque a crise dos partidos políticos e do Congresso Nacional no Brasil não ocorre por culpa da imprensa e de entidades do terceiro setor que passaram a fiscalizar o poder público, em especial nos últimos dez anos. A crise das legendas e do Congresso decorre da falta de democracia interna partidária, da constante defesa de interesses corporativos dos eleitos e da impunidade diante das denúncias recorrentes que atingem a classe política. Em vez de querer por em prática uma estratégia de "contra-ataque", seria mais sensato sugerir a criação de mecanismos que criassem obstáculos para que continuassem a existir esses problemas.

Seria muito saudável para o país se fosse posto um fim no mito de que a imprensa enfraquece os poderes dos partidos políticos. Essa visão maniqueísta – pela qual "se recebo crítica é porque está contra mim e porque defende os interesses de meus adversários" – é por demais infantil para continuar a ser repetida, até porque ela não é verdadeira. A imprensa tem o dever de informar e também de fiscalizar.

Grandes escândalos só vieram à tona nos últimos anos por atuação mídia. Nunca é demais lembrar que o Congresso Nacional conviveu até pouco tempo com denúncias de atos secretos e de farra das passagens. No plano estadual é impossível esquecer o caso dos Diários Secretos, série de reportagens da Gazeta do Povo e da RPC TV, que rendeu o Prêmio Esso de Reportagem. Essas denúncias não foram fruto da fantasia da imprensa e de sua tentativa de se posicionar como o representante do povo. Essas denúncias foram fruto de trabalho sério, guiado por valores como moralidade, legalidade e interesse público.

A reflexão de Sarney seria muito mais proveitosa para seu partido e para o Brasil se buscasse uma mudança de valores e de práticas de seus correligionários. A crise de representatividade só pode ser resolvida, ou minimizada, por mudanças de práticas políticas. Não por sugestões sorrateiras de que a imprensa é quem reduz o poder dos partidos políticos.

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