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Editorial

Alcolumbre é apenas parte do problema

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O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, durante sessão do Senado. (Foto: Saulo Cruz/Agência Senado)

O Senado já tem uma maioria de seus membros favorável à abertura de um processo de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes: na semana passada, a oposição anunciou que, com o compromisso do senador Laércio Oliveira (PP-SE), eram 41 os parlamentares cujos votos são suficientes para iniciar o processo e aprovar um parecer que afastaria Moraes temporariamente até o julgamento definitivo – no qual a cassação dependeria de 54 votos. No entanto, este é um caso em que a vontade da maioria não basta: é preciso convencer o dono da pauta, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado.

E Alcolumbre tem resistido à pressão de seus pares. Chegou a dizer durante uma reunião de líderes que não aceitaria a denúncia “nem se tiver 81 assinaturas”, segundo informações de bastidores. Diante da repercussão negativa da afirmação, ele concordou em submeter o pedido à assessoria jurídica do Senado, que tradicionalmente recomenda o engavetamento – em outras palavras, Alcolumbre estaria usando uma manobra protelatória que lhe permita lavar as mãos no futuro. Isso leva a uma pergunta óbvia: por que o presidente do Senado está tão disposto a contrariar a maioria de seus pares e blindar Moraes?

A consciência sobre o caráter autoritário das ações de Moraes não está suficientemente espalhada entre os brasileiros

Suponhamos, por um minuto, que Alcolumbre não esteja sendo vítima de nenhuma chantagem por parte de ministros do STF, que são os responsáveis por analisar ações penais envolvendo parlamentares – o tipo de situação que, por si só, já ensejaria um impeachment do ministro chantagista. Neste cenário, o presidente do Senado estaria totalmente convicto de que não há nenhum motivo para se processar Moraes por crime de responsabilidade. Uma avaliação bastante equivocada, mas que não é exclusividade de Alcolumbre: nisso ele está em numerosa companhia, que inclui formadores de opinião, grandes jornais e boa parte da sociedade civil organizada.

Isso significa que Alcolumbre é apenas parte de um problema muito mais amplo: a consciência sobre o caráter autoritário das ações de Moraes não está suficientemente espalhada entre os brasileiros, e sem isso não há como criar uma massa crítica substancial que pressione pelo impeachment. Este é um obstáculo substancial para a cassação de Moraes, mas não um obstáculo intransponível. Por isso, é preciso buscar as lições das duas ocasiões em que o Senado condenou um presidente da República por crime de responsabilidade.

A imprensa desempenhou um papel decisivo no despertar da indignação popular que culminou com o impeachment de Fernando Collor, em 1992. As denúncias de corrupção e as reportagens investigativas que se seguiram à explosiva entrevista de Pedro Collor expuseram a todo o Brasil as tramoias da Casa da Dinda. Mais de duas décadas depois, jornalistas e técnicos do Tribunal de Contas da União ajudaram o país a entender as “pedaladas fiscais” cometidas no governo Dilma Rousseff, e como a maquiagem orçamentária justificava a cassação da presidente petista. Hoje, no entanto, com boa parte da imprensa considerando válidas as atitudes autoritárias de Moraes, justificando como “defesa da democracia” a censura indiscriminada e a sanha punitiva, é preciso recorrer a outro meio de expor ao país com toda a clareza como a democracia foi substituída por uma juristocracia.

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Este meio está em outra casa legislativa, a Câmara, onde outro presidente, Hugo Motta, repete Alcolumbre ao recusar-se a colocar em funcionamento a CPI do Abuso de Autoridade, que já cumpre todos os requisitos constitucionais para sua instauração. Esta CPI, sem bem conduzida, teria o poder de fazer o que setores da imprensa já deveriam ter feito, em vez de se omitir apenas porque os alvos da perseguição judicial são os ditos “bolsonaristas”. E, uma vez lançada toda a luz sobre os abusos cometidos desde o início do “inquérito do fim do mundo”, qualquer brasileiro autenticamente democrata não teria outra alternativa a não ser juntar-se ao coro pelo impeachment de Moraes.

É por isso que, embora seja muito elogiável que mais da metade do Senado já tenha assumido posição favorável à abertura de um processo de cassação de Moraes, talvez a CPI do Abuso de Autoridade seja um passo anterior muito necessário – até porque o impeachment exige 54, e não 41 votos; o pior que poderia ocorrer agora seria a abertura de um processo que terminasse com a absolvição de Moraes no momento decisivo. Só uma pressão muito forte da sociedade e da opinião pública poderá convencer mais 13 senadores sobre os abusos cometidos pelo ministro do STF, e levar Alcolumbre a concluir que não há outra saída a não ser respeitar a opinião da maioria.

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