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"Tem coisas que eu não concordo, como mexer nos direitos do trabalhador e não abro mão nem que a vaca tussa!", prometeu no Twitter a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, em 12 de outubro. Pois a vaca tossiu, como bem demonstram as novas regras anunciadas pelo governo na segunda-feira. Cinco benefícios trabalhistas foram alterados: abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte, auxílio-doença e seguro-defeso (este último, pago a pescadores durante o período em que ficam impedidos de exercer sua atividade em épocas de reprodução dos peixes). A expectativa do governo é de que as mudanças economizem R$ 18 bilhões por ano aos cofres públicos, que precisam desesperadamente de um alívio, já que o Planalto não consegue administrar seu orçamento, a ponto de ter de chantagear parlamentares (com a liberação de verbas para emendas) para aprovar uma anistia que permitisse ao governo descumprir a meta fiscal de 2014 sem sofrer nenhuma punição por isso.

Não é nossa intenção agora entrar no mérito das medidas anunciadas na segunda-feira, embora seja preciso dizer que elas deixam escancarada a intenção do governo de fazer caixa à custa dos trabalhadores e das empresas, em vez de realizar o mais que necessário corte de gastos no custeio da inchada máquina pública. O que é preciso ressaltar hoje é essa nova demonstração de incoerência – para não dizer cinismo –, pois o que a Dilma presidente reeleita faz não é apenas o oposto do que a Dilma candidata afirmava: o que a Dilma presidente faz também é exatamente aquilo que ela acusava seus adversários de querer implantar, uma vez eleitos.

Dilma já tinha usado o "nem que a vaca tussa" durante a campanha: foi em setembro, em uma resposta à candidata Marina Silva, que havia falado, de uma forma um tanto genérica, em "atualização" da engessada legislação trabalhista brasileira. Foi o que bastou para a campanha petista promover uma desconstrução da adversária de Dilma – naquele momento, as pesquisas ainda apontavam um segundo turno entre a presidente e a candidata do PSB – batendo na tecla da defesa dos direitos trabalhistas. Discurso, agora se sabe, muito conveniente para ganhar as eleições, mas que precisou ser abandonado assim que surgiu a oportunidade.

Aliás, no que se refere à economia, um observador muito desavisado poderia até imaginar que foi a oposição que venceu as eleições e nem esperou o 1.º de janeiro para começar a governar o Brasil. "Vocês sempre gostaram de plantar inflação para colher juros", dizia Dilma ao tucano Aécio Neves, seu adversário no segundo turno. Pois na semana seguinte à reeleição da petista, o Banco Central subiu a taxa Selic de 11% para 11,25% ao ano – aumento que se mostrou insuficiente, pois no início de dezembro os juros subiram mais meio ponto porcentual. Tudo para ajudar a conter a inflação, que insiste em flertar com o estouro do teto da meta, de 6,5%.

Quando Joaquim Levy, egresso do Bradesco, foi anunciado pelo Planalto como novo ministro da Fazenda, muitos se lembraram do anúncio televisivo da campanha dilmista em que um prato de comida sumia da mesa de uma família. Era uma alusão à proposta de um Banco Central independente, feita também por Marina, e que, no discurso petista, virou sinônimo de "entregar a economia do país nas mãos dos banqueiros" – uma indireta que também atingia Aécio Neves, pois o tucano já havia manifestado a intenção de colocar Armínio Fraga na Fazenda caso fosse eleito.

Ficam, então, as perguntas: Dilma não estaria, agora, dando razão aos que ela tanto criticou, ao adotar o programa que acusava seus adversários de querer implantar? E será que a presidente-candidata já sabia, durante a campanha, que teria de tomar "medidas impopulares" (como tinha dito Fraga ainda em abril do ano passado), ou se rendeu aos fatos só agora? De qualquer maneira, certamente não era isso que os eleitores de Dilma esperavam quando depositaram nela o seu voto.

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