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Editorial

Toffoli recompensa a irresponsabilidade fiscal no Rio de Janeiro

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O ministro Dias Toffoli durante sessão do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

Em 2018, ainda no governo Michel Temer, a Secretaria do Tesouro Nacional preparou um relatório intitulado “Exposição da União à insolvência dos entes subnacionais”, que mostrava como estados e municípios construíram eles mesmos, por meio de políticas irresponsáveis, um fosso de dívida no qual se meteram, além de detalhar as consequências dessa crise fiscal para o governo federal, que ou deixava de receber o que devia, ou até precisava abrir o cofre para cobrir calotes. Um dos fatores que agravava o cenário, segundo os técnicos do Tesouro, era o hábito recorrente de sucessivos programas renegociarem em termos muito lenientes as dívidas dos estados mais encrencados, mostrando aos governadores que, não importa o quão irresponsáveis fossem, mais cedo ou mais tarde o governo federal e o Congresso viriam em seu socorro – é o chamado “risco moral”.

Pois, mais recentemente, o grupo que premia a irresponsabilidade de governadores passados e presentes não inclui apenas Executivo e Legislativo, mas também o Judiciário. Em 2017, no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o Rio de Janeiro, talvez o mais encrencado e o mais inconsequente de todos os estados endividados, assinou um contrato que aliviava os juros da dívida fluminense em troca de medidas de ajuste fiscal, como privatizações e suspensão de contratações ou reajustes para o funcionalismo. Os técnicos federais avaliaram que tais medidas ou não foram adotadas, ou o foram de maneira insuficiente, o que levaria à revogação da participação do Rio no RRF. O estado, então, foi ao Supremo Tribunal Federal, e ganhou um belo presente do ministro Dias Toffoli.

Estados e municípios em dívida não precisam entregar nada do que foi previamente acertado nos contratos de renegociação de dívida, pois o STF está pronto para salvá-los

No passado, a corte já havia tomado decisões favoráveis a estados e municípios, por exemplo ao impedir que a União bloqueasse recursos dos fundos de participação (o FPE, dos estados, e o FPM, dos municípios) para reaver dinheiro que precisou desembolsar como fiador de entes caloteiros. Desta vez, Toffoli decidiu, liminarmente, que o Rio de Janeiro permanecerá no RRF até o fim do ano, e que o estado não precisará pagar mais que R$ 4,9 bilhões à União em 2025 – se não fosse a interferência do ministro, o valor ficaria entre R$ 8 bilhões e R$ 11,5 bilhões. Com isso, o estado ganha mais tempo para negociar sua adesão ao mais novo programa de refinanciamento, o Propag, que o Congresso já aprovou, faltando apenas a análise de alguns vetos presidenciais.

A mensagem, portanto, está dada: estados e municípios em dívida não precisam entregar nada do que foi previamente acertado nos contratos de renegociação de dívida, pois o STF está pronto para interferir e garantir que, mesmo havendo descumprimento das cláusulas que estabelecem a contrapartida de estados e municípios, eles não sofrerão as consequências. Em outras palavras, um contrato assinado livremente por duas partes cientes de suas responsabilidades de nada vale, por decisão de um ministro da mais alta corte do país.

Isso é exatamente o oposto do que pediam os técnicos do Tesouro que prepararam o relatório de 2018. Para eles, o problema das dívidas de estados e municípios exigia regras mais rígidas para permitir endividamento, “uma política crível de não salvamento (no bail-out policy) pelo governo central”, e mecanismos inteligentes de renegociação – como era o Plano Mansueto, de 2019, pelo qual os estados tinham de entregar seu ajuste fiscal antes de fazer jus a abatimentos ou juros mais baixos, mas que o Congresso não aprovou. O novo Propag, aliás, independentemente do que o Legislativo decidir sobre os vetos, será mais do mesmo: o máximo que os estados terão de fazer para aderir será direcionar alguns investimentos e entregar empresas ao governo federal.

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Um marco para a explosão das dívidas de estados e municípios foi o segundo mandato de Lula, marcado pelo entusiasmo com a descoberta do pré-sal e com a escolha do Brasil para os dois maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. O governo federal incentivou o endividamento dos estados e municípios para bancar uma gastança que, teoricamente, aqueceria a economia, levando a mais arrecadação, o que permitiria a quitação dessas mesmas dívidas – para isso, avalizou empréstimos tomados até mesmo por entes com notas ruins de capacidade de pagamento (Capag). Não funcionou, e habitantes de estados como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul já sentiram na pele como é viver em um estado quebrado.

O governo fluminense diz que a liminar de Toffoli “evitará o colapso das finanças do Rio de Janeiro”. Na verdade, interferindo indevidamente em um contrato, o Judiciário apenas manteve funcionando uma ilusão de normalidade, pois, se já não havia muito incentivo para o Rio adotar medidas de ajuste fiscal, o socorro judicial enterrou de vez qualquer estímulo a uma postura mais responsável. A população haverá de sofrer os efeitos da inconsequência de seus governantes mais cedo ou mais tarde.

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