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No apagar das luzes de 2010 e no seu último dia como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva foi protagonista de um dos momentos mais infelizes da história diplomática do Brasil: referimo-nos à decisão tomada de não extraditar o criminoso italiano Cesare Battisti, condenado em seu país à prisão perpétua como delinquente comum pelo assassinato de quatro pessoas. Battisti, que alegou em sua defesa motivação ideológica para os crimes e seria, portanto, um ativista político, fugiu para a França e posteriormente para o Brasil, o que levou o governo da Itália a pedir sua extradição com base em acordos internacionais de cooperação no combate ao terrorismo assinados pelos dois países.

A decisão de Lula de manter o terrorista em solo brasileiro, a bem da verdade, já havia sido tomada há mais tempo, apenas o seu anúncio foi postergado para o dia 31 de dezembro, na expectativa de que a posse da presidente Dilma Rousseff abafasse a repercussão negativa do ato, interna e externamente. Ao garantir asilo a Battisti, Lula não apenas deixou de lado as tradicionais relações de amizade entre Brasil e Itália, mas principalmente não tomou conhecimento do julgamento e condenação de Battisti pela Justiça italiana.

Recordando: o imbróglio começou há dois anos, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro prometeu conceder o status de refugiado político ao italiano sob o argumento de que Battisti pode ter tido seu direito de defesa prejudicado, uma vez que foi condenado à revelia, fato veemente refutado pela chancelaria italiana. O caso acabou no Supremo Tribunal Federal (STF), devido a um recurso apresentado pelo governo italiano, onde, por 5 votos a 4, decidiu-se que Battisti deveria ser extraditado, com a ressalva de que a palavra final caberia ao presidente Lula.

A posição favorável ao terrorista italiano tomada pelo ex-presidente brasileiro em seu último dia no cargo revela, de forma clara, as posições contraditórias do Brasil no tocante às relações internacionais. Nesse caso afronta decisão judicial soberana de um país com tradição democrática concedendo asilo a um terrorista condenado; em outro, vira as costas a dois pugilistas cubanos que em 2007, fugindo da ditadura de Fidel Castro, tinham a expectativa de encontrar refúgio em solo brasileiro. A reação do governo Lula, por conta das relações com uma das ditaduras mais antigas que ainda sobrevivem no mundo, foi imediata, devolvendo os atletas ao regime castrista.

Apesar de consumado, o caso do asilo a Battisti pode estar longe de um final como gostaria o governo brasileiro. Na esfera jurídica são esperadas, por parte do governo italiano, novas medidas recursais ao STF que, dependendo dos argumentos, ainda pode anular a decisão favorável ao italiano. Além dos aspectos jurídicos, o caso inevitavelmente está acarretando consequências políticas, e estas acabaram sobrando para a presidente Dilma Rousseff.

Apesar dos esforços do novo governo brasileiro em negar a existência de uma crise com seus colegas italianos, o fato é que a Itália mostra que não digeriu a decisão tomada por Lula. Em entrevista à imprensa local, o ministro das Relações Exteriores, Franco Frattini, ameaçou denunciar o Brasil à Corte Internacional de Haia por descumprimento de acordos internacionais. O governo italiano também cogita congelar as discussões em andamento com o Brasil de um tratado comercial e militar avaliado em R$ 22,1 bilhões, assinado por Lula e pelo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, no ano passado.

Herdeira política de Lula, Dilma acabou com um indesejado abacaxi na mão e com a obrigação de descascá-lo. Fica também desde já a expectativa dos primeiros passos diplomáticos do recém-empossado governo brasileiro. Dele se espera, entre outras ações, posturas menos condescendentes com países ditatoriais e de democracia de fachada, tão ao gosto dos artífices da política internacional que predominou nos últimos oito anos.

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