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A democracia é, em essência, um regime político em que o povo tem papel ativo nas decisões sobre os rumos do Estado. O aspecto mais conhecido dessa participação é o voto, mas há muitas formas de as pessoas e grupos organizados atuarem de forma ativa na vida política, como o acompanhamento do trabalho de parlamentares e das discussões realizadas por eles, por meio das próprias instituições e dos mecanismos criados para este fim. Mesmo que ainda se possa aprimorar as formas de participação da população no debate público, usar os caminhos já institucionalizados é uma forma de fortalecer a própria democracia. Em sentido oposto, quando se opta por adotar a lógica da força, com a tentativa de impor determinada posição – independentemente de qual seja –, flerta-se com o totalitarismo. Num regime democrático, a participação política pressupõe respeito às instituições.

Muitos grupos parecem ainda não ter entendido esse pressuposto básico. Na semana passada, por exemplo, uma confusão envolvendo integrantes de movimentos estudantis interrompeu o trabalho da comissão especial que analisa a proposta de redução da maioridade penal e adiou a votação do relatório do deputado Laerte Bessa, que baixa para 16 anos a idade mínima para uma pessoa ser punida criminalmente. Os jovens acompanhavam a sessão com gritos contrários à redução, o que levou alguns parlamentares a reclamar e pedir a saída dos estudantes. Eles se rebelaram e acabaram invadindo o plenário da comissão, subindo nas mesas e gritando palavras de ordem. A confusão só acabou com a chegada de mais seguranças da Câmara, que usaram spray de pimenta para conter os estudantes.

Corre-se o risco de vermos cada vez mais grupos querendo impor pelo grito e pela força suas posições, fazendo das instituições democráticas meros acessórios decorativos

O lamentável episódio foi tratado como uma “vitória” do movimento estudantil contra a redução da maioridade penal. A deputada do PCdoB Jandira Feghali (que, aliás, já tem em seu histórico uma ocasião em que pediu para que se esvaziassem as galerias do plenário da Câmara) escreveu nas redes sociais que “a juventude sai vitoriosa e impede a votação da redução da maioridade penal”, como se o fato de impedir o trabalho de uma comissão formada por parlamentares eleitos democraticamente fosse algo positivo e não um atentado contra a própria democracia. A página da UNE destacou a ação para conter os manifestantes, descrita como “uma agressão aos estudantes para evitar a participação popular”.

Não há problema no fato de a UNE (assim como outros grupos) querer participar do debate sobre a redução da maioridade penal e expor suas posições. Mas isso deve acontecer de forma a garantir o respeito às instituições. Tentar ganhar na marra, impedindo o trabalho dos parlamentares, em nada contribui para um debate democrático sobre o tema. Caso semelhante ao dos estudantes em Brasília foi o da invasão da Assembleia Legislativa do Paraná por servidores públicos que não concordavam com o projeto de alteração da Paranaprevidência. Na ocasião, já havíamos alertado para os perigos de se considerar o impedimento da ação parlamentar uma forma aceitável de pressão ou participação popular no debate público.

Quando se discute problemas complexos é normal haver posições conflitantes, que devem ser ouvidas e pesadas na busca de uma solução que possa ser benéfica para toda a sociedade. Isso, aliás, é extremamente saudável e construtivo para os regimes democráticos. Mas quem aceita participar do debate precisa também estar disposto a ver seu posicionamento ser rebatido, questionado e mesmo vencido por uma posição contrária. E aqui não importa o teor da posição ou do tema. Independentemente do que está sendo discutido, a lógica é a mesma. Se não for assim, corre-se o risco de vermos cada vez mais grupos querendo impor pelo grito e pela força suas posições, fazendo das instituições democráticas meros acessórios decorativos. A institucionalização do debate democrático é a forma mais madura de se participar da discussão dos rumos do país.

Nesta quarta-feira, a comissão especial volta a se reunir para tentar finalizar o trabalho interrompido na semana passada. Os jovens prometem manter a mobilização contra a redução da maioridade penal, que, na concepção da UNE, seria um sinal de um suposto “retrocesso conservador em curso no país”. Que desta vez demonstrem respeito às instituições e não tentem repetir o comportamento totalitário que busca impor suas convicções pela força.

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