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Jair Bolsonaro já está decidido quanto à indicação do filho ao cargo de embaixador| Foto: Agencia Brasil

O presidente Jair Bolsonaro voltou a manifestar, nesta terça-feira, a intenção de nomear seu filho Eduardo, que hoje cumpre mandato de deputado federal – com a maior votação da história do país para o cargo –, como o novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O posto está vago há pouco mais de um mês: no início de junho, o chanceler Ernesto Araújo removeu Sérgio Amaral, que estava em Washington desde 2016, por indicação de Michel Temer.

Que Eduardo Bolsonaro está totalmente em sintonia com os atuais governos tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, algo que poderia abrir muitas portas, está mais que evidente. E, na qualidade de atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, colegiado do qual também fez parte na legislatura anterior como suplente, não se pode dizer que o tema das relações internacionais lhe seja completamente estranho. No entanto, as relações entre Brasil e Estados Unidos são muito mais complexas, exigindo de quem vier a ocupar o posto de embaixador em Washington uma série de qualidades excepcionais, condizentes com o cargo mais importante da diplomacia brasileira depois do chanceler.

Apesar de hoje Brasil e Estados Unidos serem aliados em questões estratégicas como a defesa da democracia na América Latina, há outros temas que têm colocado os dois países em rota de colisão já há muitos anos, como o comércio exterior. Quando os Estados Unidos quiseram ampliar a integração comercial no continente, o governo brasileiro torpedeou o que seria a Área de Livre Comércio das Américas (Alca); hoje, enquanto o Brasil busca uma maior inserção comercial, Donald Trump tem adotado posturas protecionistas, embarcando em uma guerra de tarifas contra outra superpotência moderna, a China. Em março de 2018, por exemplo, Trump impôs sobretaxas ao aço e alumínio de diversos países, incluindo o Brasil. Ainda que elas tenham sido posteriormente retiradas, ficou claro que, entre a defesa de interesses setoriais dentro de seu país e uma ampla abertura comercial, o norte-americano escolherá defender os compatriotas, seja na indústria, seja no agronegócio.

O currículo do atual deputado não exibe feitos que o credenciem à embaixada em Washington

É com interesses deste tipo que um embaixador brasileiro nos Estados Unidos terá de lidar. Mas as qualidades que Eduardo Bolsonaro invoca a seu favor estão aquém desta missão. Ter feito intercâmbio, fritado hambúrguer no Maine ou no Colorado, visto o “trato receptivo do norte-americano para com os brasileiros” não basta. Quem estiver em Washington precisa ser um exímio negociador, conhecedor da economia local, dos valores que norteiam a sociedade norte-americana e das tensões internas daquele país.

Tensões internas, aliás, que também incluem a polarização política. Eduardo Bolsonaro já demonstrou sua proximidade e apoio a Trump, a ponto de usar um boné “Trump 2020” meses antes de o republicano lançar sua campanha de reeleição. No entanto, como lembrou o colunista Filipe Figueiredo nesta Gazeta do Povo, o embaixador do Brasil não estabeleceria diálogo apenas com Trump, mas com vários outros interlocutores, muitos dos quais ideologicamente opostos ao atual presidente norte-americano – caso da Câmara dos Representantes, onde os democratas têm maioria. Em que condições se estabelecerá esta conversa quando, do outro lado da mesa, estiverem atores que discordam do atual ocupante da Casa Branca?

Flavio Quintela: McItamaraty (16 de julho de 2019)

Ernesto Araújo: Mandato popular na política externa (artigo publicado em 27 de novembro de 2018)

Por fim, não há como evitar a questão familiar. Muitos defensores da nomeação têm se escorado mais em questões legais que de mérito, argumentando, por exemplo, que não se trata de nepotismo. Tecnicamente, dada a natureza do cargo de embaixador e a definição de nepotismo, a alegação está correta. Mas isso é suficiente? Ainda que a escolha de Bolsonaro não seja motivada pelo mero desejo de agradar ou favorecer o filho, ainda que o presidente esteja sinceramente à busca de alguém capaz de estreitar os laços com os Estados Unidos, um bom gestor precisaria identificar o tamanho da polêmica que geraria ao ver no próprio filho o perfil procurado. Só razões extraordinárias justificariam tal nomeação – por exemplo, se Eduardo já tivesse passado por representações diplomáticas relevantes, ou liderado missões brasileiras que obtiveram grandes resultados. Mas, por mais que não consideremos a carreira no Ministério das Relações Exteriores como condição sine qua non para se tornar embaixador, o currículo do atual deputado não exibe feitos que o credenciem à embaixada em Washington.

Mas, se não for Eduardo Bolsonaro, quem ocuparia o posto? Anos de aparelhamento petista não pouparam nem mesmo o Itamaraty, mas ainda assim nos parece altamente improvável que, dentro do corpo diplomático atual brasileiro, não haja ninguém de robusto preparo intelectual, alinhado ao menos com as principais diretrizes do governo brasileiro, com experiência em Washington ou outras representações diplomáticas importantes, com domínio de idiomas – campo em que Eduardo Bolsonaro escorregou em entrevista ao canal Fox News no fim de 2018 –, e que possa assumir a embaixada brasileira nos Estados Unidos. Ainda que realmente não haja diplomatas de carreira com esse perfil, o que seria um sinal inequívoco da extensão do estrago petista no país, Bolsonaro e Ernesto Araújo certamente encontrariam quem cumprisse as condições mais importantes sem gerar tanta controvérsia, por exemplo no ambiente acadêmico ou na iniciativa privada.

Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo quiseram dar uma nova direção à política externa brasileira, afastando-a do desvario dos anos petistas. Eles têm colhido bons resultados, como o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, e a maior aproximação com nações democráticas; e têm dado exemplos, como no caso da ação em defesa da vida e da família em instâncias supranacionais como as Nações Unidas. Reerguer a tradição brasileira e deixar para trás a época do “anão diplomático” é trabalho árduo e ainda em fase inicial. A nomeação de um filho do presidente seria um retrocesso neste esforço, ainda que se trate de medida legal, com apoio de ministros como o próprio chanceler, e possa abrir algumas portas no curtíssimo prazo. Eduardo Bolsonaro até poderia surpreender, mas, hoje, parece claro que suas qualificações são insuficientes para a importância do cargo de embaixador nos Estados Unidos. Que o presidente possa perceber que essa nomeação tem mais pontos negativos que positivos, revendo uma decisão que lhe trará desgastes desnecessários.

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