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A educação se firma nas grandes agendas de discussão nacional, fazendo concorrência às taxas de juros pornográficas e às ligações perigosas do senhor Cachoeira. É simples entender as glórias dadas do quadro-negro e do giz. Vive-se uma euforia na Pátria Mãe Gentil – uma estima que ultrapassa o baixo-astral que vem do Planalto Central.

Algo igual apenas nos anos 1950, quando o desenvolvimento do país redundou em consumo de televisores, vestidos tubinho, Vemaguetes, Bossa Nova e até um título inédito no futebol. Como dizia Nelson Rodrigues, o país superou ali sua síndrome de vira-lata. A década de 2000 não foge à regra – embora menos charmosa e com música a anos-luz de um Jobim, chega monumental ao futuro, ostentando sua nova classe média, com todas as compras a seus pés. Falar da educação é botar um freio nessa carreata.

Há sempre quem lembre que tudo isso será palha que o vento leva se não se concretizar a tal da revolução do ensino que, arrisca, foi desejada desde a pequena escola jesuítica criada numa Redução do século 17. E não se chega a essa revolução com a facilidade com que se faz um crediário de carro zero-quilômetro. A questão não para aí.

Parece que educação é escola e ponto. Mas é preciso se perguntar de que educação se está falando, já que o conceito anda meio arisco. São inúmeros os impasses da escola: o da permanência das crianças, adolescentes e jovens – afinal, 75% dos que entram no sistema o abandonam no meio do caminho; a capacitação dos professores e a definição sobre a que veio, afinal, o ensino. Sabe-se que hoje as instituições dão conta de quase tudo – do sexo à religião – e cada vez menos do que lhe compete, o aprendizado e a transmissão do conhecimento universal.

A mesma escola que padece diante de tantas demandas e busca reconstruir sua identidade tem de arcar com a maior de todas as crises sociais – o chamado "declínio do homem público". O individual se sobrepôs ao coletivo nas mais diversas instâncias sociais. Há uma corrida desesperada pela afirmação da subjetividade, deixando cada vez mais longe a ideia grega de pólis. O tema talvez fique bem numa aula de História no ensino médio, onde jaz. Mas se tornou francamente incômodo.

Uma pena. A natureza da educação é o bem público. É o que lhe dá sentido. Mas a expectativa que recai sobre ela é a de que funcione como espaço de segurança e de desenvolvimento dos talentos individuais, preparando o aluno para a glória pessoal e para o bem-estar psicológico, e não para agir no mundo. Não causa espanto que tantas e tantas escolas não consigam transbordar para suas comunidades ou figurar como ponto de encontro.

O mesmo dilema recai sobre as famílias. O esmero em educar pode se traduzir no balé, no inglês, no intercâmbio, no uso das tecnologias, nas mínimas relações de sociabilidade, entre outros fetiches paternos. Como firma o sociólogo Richard Sennett, respeitar o outro se converteu num bem moral, em um exercício da vida privada, um degrau para construir nossa personalidade. É fácil pensar assim. Difícil é preparar para a vida pública, lançando os filhos na aventura da cidadania. Pode-se dizer que muitos pais não sabem mais se o devem fazê-lo ou como fazê-lo, posto que também estão submersos na estetização da vida.

Seria desejável que esse debate ganhasse fôlego nos circuitos familiares e educacionais, de modo a esboçar saídas. No que cabe à escola, um primeiro passo é a revisão dos conteúdos, transmitindo pelo conhecimento o sentido da civilização. Quanto às famílias, cabe menos o discurso e mais os exemplos que arrastam. A boa medida é que os pais se voltem para a vida pública, empenhando seu tempo e sua palavra na construção da cidade, entendendo-a para além do problema do bairro.

Impossível, ao pensar nas famílias ensimesmadas, fechadas no consumo e de costas para o mundo, não citar o belíssimo A cidade na história, de Lewis Mumford. Ainda na década de 1960 ele se assustava ao ver os casais que se mudavam para os subúrbios elegantes, planejando um encontro com a natureza, mas francamente dispostos a não se incomodar com nada que ocorresse para além de um quilômetro da sua caixa do correio. Parece profecia. O Brasil rico pode repetir a sina da América. A não ser que mais e mais gente diga "presente". Eis o princípio.

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