• Carregando...

O pensador francês Gilles Lipovetsky declarou, certa feita, que se preocupava com o desalento juvenil. E expôs seu ponto de vista. Repetindo o “modo de dizer” lulístico, mesmo sem saber, o pertinente Lipovetsky disse que “nunca na história da humanidade” houve uma geração de jovens tão brilhantes. Quem tem parte com eles – numa universidade, por exemplo – sabe que não há um exagero. Os jovens, em particular os das elites, falam mais línguas, viajaram mais, dominam tecnologias, são relacionais. Mais: têm gosto por liberdade, o que os faz cruzar fronteiras, pondo-se à prova.

O filósofo talvez não tenha dito tudo. “Presentificada”, como se refere o pesquisador Ciro Marcondes Filho ao falar do “processo universal de desencanto”, a juventude se tornou menos afeita a uma ideia evolutiva da história e às hermenêuticas – num injusto repúdio a Victor Frankl, interpretar o sentido da vida não é, em definitivo, o prato do dia para eles. Não acham que estamos indo para algum lugar, não se põem de olho no retrovisor, pois só se acreditavam em caminho os que se nutriam de algumas das grandes narrativas que (ainda) embalaram o século 20 – o cristianismo, o marxismo, o existencialismo, a psicanálise, o estruturalismo...

Sem esperar nada do amanhã, os jovens do século 21 vivem mais o hoje e primam pela experiência. Em vez de discursarem ruidosamente sobre a fome na África e a paz no Oriente Médio, procuram tocar o mundo com as mãos, fazendo o que está ao alcance de cada um deles na hora. Arnaldo Jabor – um dos legítimos egressos do “poder jovem”, uma das sub-ideologias da década de 60 – resumiu a ópera dizendo que essa turminha é menos idealista, mas também menos “babaca”. Noves fora, um elogio em meio aos destroços.

A desilusão juvenil tem a ver com o que lhes foi dado de presente: individualismo, consumismo, hedonismo e secularização

Mas é preciso voltar a Lipovetsky. Essa juventude dos sonhos – conectada, sem fronteira, aberta para a experiência – é também, segundo ele, desiludida. Deve-se estar atento ao aspecto conceitual da palavra “desilusão”, para bem longe de sua evocação romântica. O desiludido não sente sabor, não espera nada, porque só os crentes – seja na política, seja na religião, seja na arte – podem se dar ao consolo da espera. Desilusão é caso de saúde pública e de política internacional – o desiludido não vive nem as mais primorosas relações privadas, tampouco se atira à vida pública. Imaginação no poder? Isso é passado, tanto quanto Gui Debord.

Para Lipovetsky, um dos gatilhos emocionais que esfriam os ânimos da juventude se dá por escala. É um efeito colateral. Por mais absurdo que pareça, os jovens se sentem preparados técnica e intelectualmente, mas, ao se depararem com a vida profissional, com os odores e imperfeições da rua, acham o mundo pequeno e mesquinho. É como se a realidade não os merecesse. Daí se entristecerem, como o jovem rico da parábola bíblica. De um lado, tem-se um desperdício flagrante de talentos. De outro, tem-se um teatro do absurdo – o que não falta no mundo é trabalho a ser feito. Resta saber por que cargas d’água boa parcela da juventude se nega a se alistar nessas tarefas, negando-se a fazer parte da história.

Não é preciso bola de cristal para arriscar que a desilusão juvenil tem a ver com o que lhes foi dado de presente, a listar: individualismo, consumismo, hedonismo, secularização, superproteção e baixíssimo grau de preparo para a vida pública, esse lugar em que somos inteiros. Os gregos já diziam, como se sabe. Daí tanto laissez faire – vide a quantidade de jovens, em pesquisas aqui e ali, que admite comportamentos irresponsáveis em relação ao sexo e às drogas e ainda diz sentir medo e ter baixa participação social. São práticas suicidas. Nesse estado de infantilização – pois tantos são tratados como se ainda precisassem de colo –, não causa espanto que façam escolhas tão estapafúrdias. De um lado, uma vida sem amanhã, para a qual não estariam ocupados em deixar nada, contrariando todos os processos civilizatórios. De outro, a entrega irrestrita e compensatória a radicalismos religiosos e políticos – escolhas feitas sem filtro.

Não seria de todo exagero sugerir que a adesão de jovens ao Estado Islâmico seja um dos sintomas do desalento juvenil. O mundo ocidental ficou em débito com eles, ao lhes prometer conforto e prazer ilimitados em tempo integral sem colocar acima disso um algo mais, um afã de excelência e de virtude. Não se trata de moralizar o debate ou de ignorar o que o século 21 trouxe de bom e nobre, mas de considerar que somos seres simbólicos e culturais. Subestimar esse aspecto é armar a bomba de Hiroshima outra vez. Ou a sociedade se reposiciona em relação a seus jovens ou vai continuar a se surpreender, vendo-os mostrar os dentes, pondo-se a destruir o que nem tiveram tempo de ajudar a construir.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]