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Pouco importa se a conta é precisamente esta – mas amanhã, 31 de outubro, é o dia em que o mundo chega a 7 bilhões de habitantes. O dado é do Fundo da População das Nações Unidas e mexe com o imaginário de somalis e ianques, líbios e suíços. A pergunta que se faz à queima-roupa é se haverá comida, emprego e saúde para tanta gente. E já se sabe a resposta – por ora, não há, mas nenhum churrasco deverá ser desmarcado por causa disso.

É fato que em outros tempos o dilema da alimentação e dos recursos naturais já roubou muito sono e despertou profetas. Basta lembrar que o alerta de Malthus, dado em 1798, previu pauladas entre os povos e muita guerra atrás do pão de cada dia. Levou-se a sério o perigo da superpopulação, até porque os intervalos de crescimento ficaram cada vez mais curtos e absurdos. Calcule: alguém que tenha hoje 51 anos nasceu num mundo com menos 4 bilhões de pessoas.

Mas, por ironia, à revelia dos estardalhaços do Greenpeace e da guerra de nervos para fazer vingar o controle ambiental, nos aterros sanitários e nos chuveiros domésticos – os contemporâneos deram de viver, qual o quê, a mais doce das ilusões: a da infinitude, como se tudo se resumisse a uma gôndola de supermercado.

Explica-se: no varejo, tem-se a impressão de que nunca houve tanta fartura – o que inclui comida barata e acessível, já ensacada e ao preço de tostões. E a notícia aqui e ali de que alguém se esvai em fome e lágrimas chega a parecer ficção, mão pesada dos repórteres ou filme catástrofe. Não é bem assim.

As razões desse autoengano são simples de explicar. O avanço tecnológico e os saltos da indústria criam uma espécie de lançamento da Copa do Mundo, no qual todas as engrenagens funcionam e as luzes se acendem na hora certa. A economia cresce para abastecer de bugigangas a urbe superpovoada. Mal dá tempo para pânico. Regras da vida.

A chegada dos 7 bilhões, por isso, está longe de provocar um olhar de melancolia em direção aos campos de trigo. Mas faz olhar para os lados. Estima-se que mais de 50% da população do mundo viva em grandes cidades, fazendo com que se tornem laboratório de tudo o que há. No meio urbano se especula e se experimenta remédio para a violência e para a educação, por exemplo. O mesmo empenho se deve aplicar à convivência, atualmente no estágio dos piores condomínios. É o prato do dia para este 31 de outubro. A ele.

Projeções recentes da revista Science mostram que foi preciso quase um século e meio para o mundo passar de 1 bilhão para 2 bilhões. Depois disso, foi uma correria de partos, à moda das antigas famílias mineiras. Nasceu muita gente numa Terra onde se vive cada vez mais. E da forma mais desigual possível. A redução de gente nos países ricos e o "crescei e multiplicai-vos" dos subdesenvolvidos e em desenvolvimento fez com que a rotação da terra saia dos eixos, tornando a migração dos povos uma questão nervosa. Sumiu o medo da fome. Mas não o medo do vizinho.

Está aí a xenofobia para mostrar. Há estranheza de alguns e o temor de outros a cada vez que gentes do Norte e do Sul fazem uso de seu direito de locomoção. O resultado é conhecido: pergunta-se, meio sem jeito, se os americanos do final do século 21 falarão inglês ou espanhol. E qual será a proporção de franceses descendentes de Asterix viverão numa França cada vez mais parecida ao Oriente Médio.

São assuntos que correm com discrição. Mas que estão latejando por aí. Inclusive com boas propostas de solução. O festejo dos 7 bilhões bem podia servir de desculpa para discuti-los. Embora não seja um movimento formal, a ideia do "viver junto" tem braços e pernas por aí e merece ser incentivada. Além da tolerância, a convivência tem efeitos imediatos sobre todas as estações da existência. Viver junto implica cuidar do planeta. E dos velhos. E dos animais.

Uma das melhores traduções dessa ideologia do bem viver é a filosofia da hospitalidade, expressa por pensadores como Anne Dufourmantelle e Jacques Derrida, e transformada em objeto de militância de gurus modernos. É o caso do ex-frei Leonardo Boff. Depois da pequena Suma Teológica que escreveu nos moldes da Teologia da Libertação, entregou-se com luxúria à ecologia, no seu sentido mais orgânico. Ecologia é tudo – da atenção com os pobres ao bem receber em casa, para citar algumas faixas desse LP holístico.

A hospitalidade, claro, não escapa a Boff, e na sua voz ganha um sentido de panaceia: pode solucionar boa parte dos impasses sociais e políticos do nosso tempo. Mas causa estranheza que o discurso do "receber" e do "acolher" ainda seja tão tímido no atacado da sociedade. Raramente ganha forma explícita, como acontecia com as campanhas da paz em tempos idos, entre a Guerra do Vietnã e a do Iraque, por exemplo.

Uma das estratégias para unir a sociedade em torno da hospitalidade seria tornar mais frequente o debate demográfico. Duro é tirar essa conversa do banho-maria. O palpite é que isso ocorre porque soa como datada. Estudos da ONU revelam que depois da explosão dos 7 bilhões o planeta, por volta de 2040 a tendência seja encolher. Talvez nunca cheguemos à bomba dos 9 bilhões. Com menos um problema com que se preocupar, restaria apenas o azar de um meteorito desgovernado acabar com o nosso piquenique.

Ignorar a questão populacional, contudo, é uma tolice. Mesmo com menos gente, mais e mais as pessoas estarão próximas, desfrutando de equipamentos e do conhecimento urbano. A sensação de superpopulação não se vai tão cedo. Mas fácil é que renasçam os dinossauros. Antes disso, melhor é aprender a "estar junto". O mundo anda mesmo precisando do que se ocupar.

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