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O pivô do caso da "sogra fantasma", que já tinha status de secretário de Estado, agora fará parte do Conselho de Administração da Sanepar

Um dos mistérios da vida pública brasileira é a facilidade com que pessoas envolvidas em escândalos de mau uso do dinheiro público conseguem retornar ao cenário político, às vezes pouquíssimo tempo depois de estourarem as denúncias que as levam a desaparecer temporariamente do noticiário. Esse retorno se dá de duas maneiras: a primeira é por meio do voto popular, o que infelizmente deixa evidente a falta de memória política do brasileiro. A segunda é pela mão dos governantes, graças a nomeações ou indicações.

Nesta segunda situação se encontra Ezequias Moreira, que ficou conhecido pelo triste caso da "sogra fantasma" e acabou de ganhar um novo impulso em sua carreira, indicado nesta semana para o Conselho de Administração da Sanepar. Em 2007, ele era assessor de Beto Richa, então prefeito de Curitiba, quando se descobriu que Ezequias recebeu, por 11 anos, dinheiro referente ao salário de sua sogra na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná sem que ela nunca tivesse trabalhado no local. Após a denúncia ter estourado, Ezequias foi demitido por Richa e começou a responder a dois processos, um cível e outro, criminal. Como devolveu aos cofres públicos o meio milhão de reais que ganhou irregularmente, escapou do processo cível.

Aparentemente, isso foi o suficiente para ganhar também o perdão do agora governador Beto Richa. Assim que tomou posse, em janeiro de 2011, Richa trouxe Ezequias para o governo, fazendo dele diretor de Relações com Investidores da Sanepar e alegando que era preciso "perdoar o pecador, e não o pecado". No entanto, o processo criminal, por peculato, seguia correndo contra Ezequias na primeira instância. Em junho deste ano, às vésperas de uma audiência na 5.ª Vara Criminal de Curitiba em que poderia ser proferida a sentença contra Ezequias, o governador completou a redenção do seu protegido nomeando-o secretário especial de Cerimonial e Relações Internacionais. A nomeação deu a Ezequias status de secretário de Estado, o que, por sua vez, rendeu ao pivô do escândalo da "sogra fantasma" foro privilegiado – ou seja, o processo criminal que corria na primeira instância passou para o Tribunal de Justiça do Paraná, o que, na prática, levou ao adiamento do desfecho da ação.

Mas a secretaria e o foro privilegiado não parecem suficientes, e agora Ezequias integrará o conselho da Sanepar, por indicação do governo estadual. Reportagem da Gazeta do Povo de ontem mostra que, entre as funções dos conselheiros, estão "fixar a orientação geral dos negócios da empresa, eleger e destituir a diretoria, aprovar o plano de cargos e salários da companhia, homologar licitações acima de R$ 2 milhões e deliberar sobre empréstimos a serem contraídos", além de "deliberar sobre os próprios honorários" – honorários, aliás, cujo valor a Sanepar não divulga, alegando ser uma empresa de economia mista e, por isso, fora do alcance da Lei de Acesso à Informação. O que se sabe há muitos anos é que a participação em conselhos de empresas vem sendo usada como meio de turbinar os vencimentos de ministros e secretários de Estado, alguns dos quais passam a receber acima do teto do funcionalismo. Em junho deste ano, por exemplo, a Gazeta do Povo mostrou que a participação no Conselho de Administração da Copel rendia R$ 7,3 mil mensais a José Richa Filho, secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná. Já o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, ganhava R$ 8,1 mil por mês por estar no conselho do Sesc.

Por mais piedosas que sejam as metáforas religiosas usadas para justificar a presença de Ezequias Moreira no governo, a verdade é que ele não apenas admitiu implicitamente seu erro ao devolver os valores recebidos irregularmente, mas também ainda não pagou sua dívida para com a sociedade, pois precisa terminar de responder ao processo criminal que corre contra ele. Não há justificativa possível para que alguém com tal currículo ocupe não apenas uma secretaria de Estado, mas também um cargo em um conselho que define os rumos de uma empresa que pertence, ainda que parcialmente, ao povo paranaense – povo que vê seus anseios de moralização da vida política, demonstrados de forma pungente nas manifestações de junho, frustrados com nomeações como a desta semana.

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