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Nos idos da década de 1990, uma crônica do jornalista Lucas Mendes deu conta da miopia internacional que assombrava o país. O episódio é hi­­lário. Ao cobrir uma visita do então presiden­­te Fernando Collor aos Estados Unidos, Mendes captou a fala de uma velhinha que acompanhava, pasma, num teatro de Nova Iorque, a ruidosa entrada do "caçador de marajás". Quis saber quem era aquele ho­­mem cercado de seguranças e de uma corte que mais parecia a bateria de uma escola de samba. Num desagravo, à moda da casa, disseram à senhora que se tratava de "dom Fernando I, imperador do Brasil".

Pois para espanto de Mendes, a mulher não reagiu à improvável sobrevivência de uma monarquia no Hemisfério Sul, mas estranhou a palavra "Brasil". "Brazil, Brazil?", per­­gun­­tava, com ares de que lhe tinham dito o nome de uma republiqueta soviética ou de uma ilhota dos Mares do Sul.

Tentou-se de tudo. "Sim, Brazil. Café, Pelé, Carmen Miranda..." E nada de ligar o nome à pessoa. Até que num último assalto à razão e à geografia alguém saiu com essa: "Brazil, Buenos Aires, minha senhora...". Bingo. "Ah, Buenos Aires, of course..." Finalmente, alguém lhe dera uma explicação convincente. Dom Fernando I, de Buenos Aires.

Pois é. Dos anos Collor para cá vieram os ronaldos e a Gisele Bündchen e se pode afirmar, com a boca cheia, que apesar do café, do Pelé e da Brazilian Bombshell, Carmen Miranda, não somos mais uma imenso vácuo entre o mundo civilizado e a elegante capital da Ar­­gentina. Trata-se, contudo, de uma meia vitória. Ainda que nossos emergentes do esporte e da moda tenham conquistado um lugar melhor para o país no mapa-múndi, não resta dúvida de que entre um gol e uma coleção de verão ainda somos um ponto qualquer abaixo do Equador.

Na fila de passaportes é que se vê. Quem já passou por uma alfândega, sabe. É só o co­­meço. Não raro, nossas mulheres são constran­­gidas em viagem à Europa e aos Estados Unidos. Sabe-se de brasileiras que – para evitar o preconceito – preferem se apresentar como nascidas na Venezuela ou na Bolívia, lugares obscuros que na cabeça de muitos estrangeiros devem ficar nas cercanias de Buenos Aires. Melhor seria, nessas horas, ser um exótico império tropical, o que não é de todo uma fantasia.

Mas há um fato novo. Desde a ascensão de Lula ao poder – um Lech Walesa acalorado – o Brasil passou a ser identificado por seu governante. O Brasil do Pelé, do café e da miss Miranda é também o Brasil do Lula. O sinal mais evidente de que o presidente faz boa figura no exterior se deu ano passado, na Con­­ferência de Copenhague. O governante sindicalista desancou autoridades do primeiro naipe e fez com que muitos jornalistas de acotovelassem para entrevistá-lo.

A imagem e semelhança de Lula com o Brasil – por mais crítico que se possa ser a esse fenômeno – tem um significado. O brasileiro já não se vê do mesmo modo no espelho. Um homem de baixa instrução formal, quem diria, nos libertou a síndrome de Jeca Tatu. E seu remédio não foi amargo.

Ele tomou a palavra e disse a que veio. Desde sua posse, em 2002, o presidente se pôs a romper com a posição algo tímida do país em relação ao resto do mundo. Marcou presença em países da África e da América Latina, tirou conferências mundiais da discurseira institucional e saiu da sombra das potências, como se pode ver agora no Haiti. Embora não seja uma unanimidade, a presença brasileira naquela terra arrasada conta a favor. Saiu-se do "não é comigo" para o "deixe estar".

A ascensão do Lula superstar, contudo, provoca efeitos colaterais. Sensíveis ao que nos orgulha, nos tornamos hipersensíveis ao que nos envergonha. A figura do brasileiro safo e bom de conversa, outrora cultuada, parece não caber mais nos códigos tupiniquins. Queremos mais exemplos que nos engrandeçam. Temos vontade de cavar buracos no chão a cada vez que um de nossos craques se metem a namoradores de boate. Que­­remos que Gisele saiba o que diz. Estamos mais chatos. Os bad boys que se cuidem.

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