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A decisão do ministro do Supremo Tribunal Fe­­deral (STF) Gilmar Mendes, que suspendeu os efeitos da Lei da Ficha Limpa para o senador Heráclito Fortes (DEM), parece ser questionável tanto do ponto de vista jurídico quanto do político. Sob a ótica jurídica, a decisão de Mendes é discutível porque o ministro usou como argumento para a concessão da liminar o voto favorável dado por ele próprio no recurso extraordinário movido por For­­tes no STF. Já pelo aspecto político, a regra da Ficha Lim­­pa é um tema delicado, originário da participação da própria sociedade. Parece ser necessário que o tema seja tratado com bastante cuidado para que não se crie uma sensação de que a lei possa se tornar ineficaz.

Heráclito Fortes foi condenado por suposta promoção pessoal em publicidade oficial quando foi prefeito de Teresina, entre 1989 e 1993, conduta lesiva ao pa­­trimônio público, que o tornaria inelegível, não fosse a liminar concedida por Gilmar Mendes em 17 de novembro de 2009. Quando o julgamento do recurso extraordinário movido por Fortes foi iniciado, Men­­des, que é o relator do pedido, proferiu voto favorável a Fortes, enquanto que seu colega, o ministro Joaquim Barbosa, votou de forma contrária. Em seguida, o ministro Cezar Peluso pediu vista do processo, paralisando o julgamento.

Como o recurso extraordinário não será julgado antes do prazo final para o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral, que termina em 5 de julho, He­­ráclito Fortes ingressou com um pedido cautelar, re­­querendo que fossem suspensos os efeitos da Lei da Ficha Limpa, a fim de que fosse possível ser candidato nas eleições de outubro. A suspensão cautelar está pre­­vista no artigo 26-C da lei: "O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas (...) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal (...)".

Ou seja, o STF pode suspender os efeitos da lei nos casos em que isso se mostrar plausível. É aqui que parece ser discutível a decisão de Mendes. O ministro afirma em sua decisão que "a plausibilidade jurídica do pedido estaria presente na existência de voto favorável levado à Turma pelo Ministro Relator". Mendes considerou o seu voto no recurso extraordinário elemento suficiente para concessão de liminar para Heráclito Fortes. Ao mesmo tempo, desconsiderou que no julgamento do recurso extraordinário o ministro Joaquim Barbosa votou contra o senador. Em outras palavras, o ministro acabou justificando a liminar com o fato de ele próprio já ter decidido em favor de Heráclito Fortes.

Outro aspecto a ser analisado a respeito da Lei da Ficha Limpa é a possibilidade de um ministro decidir sozinho sobre a suspensão da inelegibilidade de políticos já condenados por órgãos colegiados de magistrados. Como se observou acima, o artigo 26-C da lei estabelece que a suspensão de inelegibilidade pode ser declarada por órgão colegiado do tribunal encarregado de analisar o recurso. Uma interpretação literal da regra parece levar ao entendimento de que um ministro não poderia decidir sozinho pela suspensão dos efeitos da Lei da Ficha Limpa. Somente um grupo de ministros poderia fazê-lo.

O vice-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, está adotando esse posicionamento. No sábado, o STF divulgou em sua página da internet que Ayres Britto negou liminar para três políticos que pretendiam ter a suspensão dos efeitos da Lei da Ficha Limpa.

O ministro não estaria totalmente convencido da possibilidade de ser concedida a suspensão da inelegibilidade por decisões proferidas por um único magistrado, como fez Mendes. "Se não é qualquer condenação judicial que torna um cidadão inelegível, mas unicamente aquela decretada por um ‘órgão colegiado’, apenas o órgão igualmente colegiado do tribunal ad quem (tribunal de instância superior que irá julgar o recurso) é que pode suspender a inelegibilidade", afirmou Ayres Britto, na decisão em que negou liminar pedida pelo deputado federal João Alberto Pizzolatti Júnior (PP-SC), condenado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina por improbidade. Ou seja, Ayres Britto entende que, como a lei determina que somente condenações proferidas por um grupo de magistrados tornam alguém inelegível, a suspensão da inelegibilidade só pode ocorrer também por um órgão colegiado.

A Lei da Ficha Limpa é muito recente e provavelmente as divergências de interpretação da norma serão resolvidas no decorrer dos julgamentos. En­­tretanto, vale lembrar que a norma nasceu de um pro­­jeto de iniciativa popular que dava conta da insatisfação da sociedade com os escândalos de corrupção. Não teve sua origem nas elites políticas. O que se espera nesse momento é que haja serenidade suficiente dos ministros para que mantenham o espírito da lei, que é o de afastar do sistema político aqueles que foram condenados criminalmente pela Justiça.

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