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Editorial

Para salvar Moraes, Dino monta cilada para bancos

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Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, em sessão no STF. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

A vontade do ministro do STF Flávio Dino de proteger seu colega Alexandre de Moraes das sanções norte-americanas acaba de impor aos bancos brasileiros um dilema de dezenas de bilhões de reais. O mais novato dos ministros da corte sequestrou o julgamento de uma ação sem relação alguma com a Lei Magnitsky para mandar um recado às autoridades norte-americanas, e com isso forçou as instituições bancárias das quais Moraes é cliente a fazer uma escolha de Sofia.

Dino analisava uma ADPF sobre a possibilidade de municípios brasileiros pleitearem indenizações na Justiça britânica devido ao desastre ambiental de Mariana (MG), em 2015 – a Samarco, dona da barragem que se rompeu, é controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Mais distante do imbróglio envolvendo o governo norte-americano e Alexandre de Moraes, impossível. Em decisão monocrática, Dino afirmou que “ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”; em outras palavras, uma decisão vinda de outro país só tem validade no Brasil se for ratificada internamente ou se isso estiver previsto em algum acordo bilateral – inclusive, isso é algo que Dino poderia ensinar a Moraes, que já tentou impor sua vontade a empresas fora do território nacional.

Se bancos brasileiros quiserem operar nos EUA, têm de obedecer à lei local. E, concorde-se ou não, a “law of the land” é essa: nada de negócios com quem está na lista da Lei Magnitsky

Mas o ministro continuou, afirmando que sua decisão se aplicava “nestes autos e em todas as demais em que jurisdição estrangeira – ou outro órgão de Estado estrangeiro – pretenda impor, no território nacional, atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”, e que “transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo aos postulados dessa decisão, dependem de expressa autorização desta corte”. Dino não citou a Lei Magnitsky – mas nem era necessário; até as paredes da sede do STF sabiam que a referência a atividades bancárias, dentro de uma ação sobre indenização por dano ambiental, não era gratuita. Para não restar nenhuma dúvida, Moraes ameaçou de punição – não nos autos de nenhum processo, mas em uma entrevista – os bancos brasileiros que aplicarem a Lei Magnitsky.

A bem da verdade, nem o governo norte-americano pretendia que a Lei Magnitsky tivesse efeito fora dos Estados Unidos. Ela simplesmente afirma que cidadãos norte-americanos e empresas que operam nos EUA não podem negociar com as pessoas sancionadas, ou sofrerão punições. Nenhum banco brasileiro é obrigado a cancelar as contas ou investimentos que Moraes porventura tenha neles; mas, se os mantiver, as operações desse banco nos Estados Unidos passam a correr risco. Suprema ironia: em inúmeras decisões sobre redes sociais, o próprio Moraes insistiu que, se as Big Techs queriam operar no Brasil, tinham de se submeter à lei brasileira; da mesma forma, se bancos brasileiros quiserem operar nos EUA, têm de obedecer à lei local. E, concorde-se ou não com a aplicação da Magnitsky a Moraes, a law of the land é essa: nada de negócios com quem está na lista do governo norte-americano.

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Havia dúvida entre as instituições bancárias nacionais sobre como proceder, é verdade. Mas Dino acabou com essa dúvida, da maneira mais voluntariosa e atabalhoada possível, sem esperar o julgamento sobre outra ação no STF, esta, sim, especificamente sobre a aplicação dos efeitos da Lei Magnitsky. Agora, os bancos dos quais Moraes seja cliente terão de escolher: manter o relacionamento com ministro e arriscar as operações que porventura tenham nos EUA, ou rifar Moraes para não deixar o mercado norte-americano, mas correndo o risco de sofrer punições do Supremo. Em qualquer caso, sairão perdendo – e o mercado financeiro percebeu o tamanho da encrenca: na terça-feira, os bancos com ações negociadas na B3 perderam R$ 42 bilhões em valor de mercado, com o Banco do Brasil, responsável por pagar os ministros do STF, tendo a maior queda; até o momento, nenhum banco teve recuperação significativa nos pregões de quarta e quinta-feira.

Diante das recentes decisões norte-americanas, do tarifaço de Donald Trump às sanções a ministros do Supremo, a resposta das autoridades brasileiras tem sido sempre a de dobrar a aposta. Lula não negocia as tarifas, preferindo bravatear contra Trump e sacrificar os exportadores brasileiros; o STF tenta, de todas as formas, blindar o mais liberticida de seus membros, e com isso sacrifica o setor bancário enquanto Dino ironiza as perdas – e, se a atuação político-ideológica ainda está dentro do escopo do Poder Executivo, isso nem sequer pode ser dito do Poder Judiciário. Certo é que ambos estão criando um caos político e econômico cujas consequências são imprevisíveis e cuja solução parece cada vez mais distante.

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