• Carregando...

Um novo movimento se forma em Curitiba. Não tem nome oficial, mas atende, por enquanto, por "Mães das Torres" – alusão a tantos outros grupos de mulheres que se reúnem em prol de uma causa, como as "Mães da Praça de Maio", da Argentina. O que pedem não estranha a qualquer pessoa que tenha acompanhado o noticiário em 2014: justiça a seus filhos mortos em meio aos conflitos entre policiais e traficantes na Vila das Torres, mais antiga favela da capital.

Neste mês, a sociedade teve uma amostra da força anunciada das "Mães das Torres". Em cerimônia de homenagem ao educador Fernando Francisco de Góis (fundador da Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros) na Assembleia Legislativa, parte dos participantes que lotaram a sala das plenárias usava camisetas com o nome de seis crianças e adolescentes mortos na Vila das Torres, dois deles neste fim de ano. Vera Lúcia Batista desafiou os protocolos e tomou o microfone. Propôs, na sua simplicidade, uma ruptura com o que os estudiosos chamam de naturalização da criminalidade naquelas divisas.

A cerimônia pediu um olhar da sociedade para crianças, adolescentes e jovens, lembrando-os com nome e sobrenome – Giovani Oliveira Pinheiro, 17 anos; Lucas Matheus de Campos, 15 anos; Lucas Rufino, 15 anos; Felipe do Nascimento, 16 anos; Hericlis Hudson Batista, 14 anos. E Cahuê da Silva, de apenas 7 anos. Os seis fazem parte de um levantamento preliminar de meninos assassinados nas Torres de outubro do ano passado para cá, mas os dados não são conclusivos, tanto na quantidade quanto nas descrições. Datas, localizações e circunstâncias são confusas, o que é bem conveniente para a criminalidade.

O "Mães das Torres" não nasce como movimento isolado e sentimental, de tiro curto. Não é funcional como um Clube de Mães, nem de impacto instantâneo, como uma caminhada de protesto no Calçadão da Rua XV. A originalidade do grupo reside na sua capacidade de entrar em cena de braço dado com a sociedade organizada. As mães se aninham no Fórum de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente da Vila das Torres. À frente do fórum, a assistente social Adriana Matias, que atua no Centro Social Marista Irmã Eunice Benato, mantido pela Rede de Solidariedade do Grupo Marista, da PUCPR. O "Mães" não está sozinho.

A PUCPR está plantada no meio da zona de conflito. Muitos usam os pátios e pontes da instituição como atalho para cruzar as linhas proibidas impostas pelo tráfico à comunidade de 4,5 mil moradores. A relação entre uma e outra é inevitável. Há professores da universidade empenhados na construção da sociedade de paz na região, exemplo que tende a ser seguido por outros vizinhos – como a Fiep e o Colégio Medianeira. Pelo menos é o que se espera.

Os ingredientes que se somam prometem. Há 60 anos os paranaenses convivem com a Torres – um dia Favela do Capanema – pobre e violenta. É o bastante para que alguns se tornem insensíveis. E o suficiente para que muitos se sintam impotentes. A opinião pública deve se mobilizar em torno desses que querem dizer algo, mas não sabem como. Repetindo a máxima da ensaísta norte-americana Susan Sontag, no livro Diante da dor dos outros, as pessoas não deixam de se importar. Seria monstruoso. Na maioria das vezes, não sabem é o que fazer. Ficam atadas diante da complexidade da violência. O "Mães das Torres" pode ajudar a quebrar esse sentimento de imobilidade. Como?

Em primeiro lugar porque, ao pensar em "mães", em "família", a discussão sobre o abandono de políticas públicas se torna mais terna. O termo "Mães das Torres" nos coloca dentro de uma casa, com fogão e geladeira, e não num imaginário campo de guerra entre traficantes. No lugar do tecnicismo de muitas análises, cujo resultado é quase sempre listar as obrigações do Estado, as "mães" começam a conversa pelo viés mais afetivo, de modo a entender que o bairro tem um cotidiano, para além do crime. Todos os dias as pessoas ali saem para trabalhar, não para roubar ou matar. Não é política de Estado que mereça esse nome simplesmente lotar a vila de policiais a cada crise, sem que se faça uma avaliação da escola, do calçamento, do saneamento básico, das relações de vizinhança... Longa lista.

Fernando de Góis lembrou, na Assembleia, que, em vez de polícia para higienizar e congelar a Vila das Torres, o governo deveria ter arquitetado uma política de promoção humana. "Dizem que não existe pena de morte no Brasil, mas uma dessas crianças levou 22 tiros...", lembrou, sobre o absurdo em que nos metemos. Quais mães que chamam à razão, as mulheres órfãs de filhos da Vila das Torres querem fazer ver. Cahuê da Silva tinha apenas 7 anos quando foi atingido por bala. Impossível não se colocar no lugar de quem sente essa dor. Esse é o princípio.

Dê sua opinião

Você concorda com o editorial? Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]