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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao participar na semana passada de uma reunião da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, formada por outros dois ex-presidentes do continente, reavivou a velha polêmica entre os que defendem a descriminalização do uso e da posse da maconha para consumo pessoal e os que se manifestam, ao contrário, defensores da imposição de sanções repressivas inclusive para os usuários. FHC faz parte do primeiro grupo, utilizando o mais usual dos argumentos: "Nosso objetivo é abrir o debate para acabar com o tabu. Essa história de guerra contra as drogas não resolve. É preciso ter outras ações que levem à redução da demanda". A ideia do ex-presidente foi acatada pela comissão e incorporada a um documento que será encaminhado à Organização das Nações Unidas (ONU).

Nem o tema nem o argumento esposado pela comissão são novos, mas o foro em que desta vez eles foram abordados aumenta a necessidade de uma séria reflexão. Afinal, estão em jogo tendências, valores e políticas de extrema gravidade, sobre os quais, por isso mesmo, a sociedade nem sequer tem o direito de ignorar. E a pergunta que a sociedade deve se fazer é: a descriminalização do consumo é realmente o melhor remédio para conter a produção e o tráfico e reduzir suas funestas consequências? Teria o ex-presidente razão ao afirmar que a guerra contra as drogas nada resolvem?

Muita gente participa dessa polêmica, mas poucos atentaram para a verdadeira realidade que vivemos no Brasil. E a realidade é que a proposta de Fernando Henrique já está, na prática, presente na legislação brasileira e nem por isso o tráfico interno de maconha e outras drogas deixou de crescer e de sustentar a cadeia de criminalidade que multiplica as mortes e superlota as prisões.

De fato, desde 2006, quando da promulgação da legislação que criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, os usuários de drogas em geral (não só os da "leve" maconha), não são penalizados. Nem mesmo aqueles que cultivam plantas ou elaboram substâncias entorpecentes apenas para seu próprio uso estão sujeitos à imposição de penas. Muito embora tais atividades continuem classificadas como ilícitos criminais, seus praticantes não podem ser submetidos, por exemplo, à prisão – no máximo, quando flagrados, recebem determinações judiciais tão somente para submeter-se a tratamentos de desintoxicação ou a prestar serviços comunitários. Na prática, portanto, do ponto de vista penal, já não se pode considerar o consumo de maconha como crime.

Trata-se, pois, no caso brasileiro, de uma falsa polêmica. Superada essa instância da discussão em razão da inutilidade de ser colocado à mesa algo que já é real, o que mais interessa é se, como acreditam os defensores da liberação, os resultados que preconizam podem ser alcançados. A esse respeito não é o que mostram a própria realidade nacional e, muito menos, as experiências de contornos mais radicais vividas em outros países, especialmente europeus.

É preciso não esquecer que o consumo e o consumidor de drogas são elementos da mesma cadeia da qual fazem parte a produção e a comercialização. E não esquecer, principalmente, do quanto os elementos dessa cadeia estão entrelaçados com os mais diversos episódios da violência urbana – da carteira batida aos sequestros. Na medida, pois, em que inexistam políticas eficazes de contenção do consumo – sejam elas repressivas, preventivas ou educativas – subsistirão os elos seguintes dessa cadeia, com a vantagem de passarem eles a ser ainda mais favorecidos pela notória possibilidade de que se dê uma exponencial ampliação do número de usuários/clientes.

É o que já perceberam os governos dos países da Europa em que a legislação liberou ou se tornou condescendente com o consumo acreditando que, com isso, diminuiriam os efeitos do tráfico. Caso típico é o da Holanda, paraíso da liberação geral, hoje se encontra mobilizada em fazer o caminho contrário. Outro é o da Inglaterra, que voltou a classificar o uso da maconha como crime após verificar os malefícios da política de liberação.

É preciso ir devagar com esse andor. Não há a mínima prova de que a descriminalização possa ser enquadrada como um mal menor com eficácia para dar combate ao mal maior. Ao contrário. Todas as evidências conduzem à noção de que ela funcionará como estímulo ao consumo, que por sua vez incentivará a produção clandestina, aumentará a escala do tráfico em conexão com quase todas as demais modalidades de crime organizado – já que tudo isso gera dinheiro a ser lavado para alimentar a vasta rede de corrupção que começa na polícia, passa pela política e nem sempre para no Judiciário.

Cometem grave engano os que imaginam ser possível combater a droga com mais droga.

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