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É da lógica política um governante criticar e desmerecer o que foi feito por seu antecessor, mesmo os atos considerados positivos, enquanto enaltece e valoriza os feitos do seu próprio governo. Como peça de propaganda e estratégia para buscar aplauso, essa prática é aceitável e compreensível. Esperar que um governante reconheça os feitos dos seus antecessores, mesmo aqueles que contribuíram para o êxito das suas próprias políticas, é exigir demais dos (atrasados) costumes políticos. Lula e sua equipe passaram oito anos se esforçando para diminuir e/ou desqualificar os feitos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Insistiram tanto nisso que FHC chega a parecer um fantasma rondando as madrugadas de Lula e de seus auxiliares e, por isso, deve ser exorcizado a qualquer custo.

A revista The Economist, a mais importante publicação sobre economia do mundo, dedicou extensa matéria sobre o Brasil e, nela, mostra as conquistas do governo de Lula como tendo sido possível porque FHC preparou o país com políticas corretas, a exemplo do sucesso no combate à inflação, o saneamento do sistema financeiro, a privatização das telecomunicações e a disciplina nas contas públicas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não existe governo perfeito, disso todos sabem, e os oitos anos de FHC têm muito a ser criticado, assim como os oito anos de Lula vão deixar problemas graves para quem vier. O próximo governante, seja ele quem for, não escapará de enfrentar alguns estrangulamentos seriíssimos, cujas soluções terão de ser levadas a efeito, mesmo à custa de impopularidade.

Lula e seu governo têm méritos e a revista os reconhece, como também a população brasileira mostra seu reconhecimento, expresso nos altos índices de popularidade do presidente. Porém graves problemas serão deixados ao novo governo a partir de 2011 e um deles é o gargalo na infraestrutura, cuja falta de investimentos terá de ser superada com urgência. Ou o país investe pesadamente em energia, transportes, portos, aeroportos ou a economia não crescerá de forma sustentável. A questão é que o governo federal deixará uma herança nada bendita de gastos correntes (investimentos excluídos), cujo aumento como porcentual do orçamento da União cresceu demasiadamente, reduzindo muito a capacidade de despender com obras nas áreas básicas de infraestrutura. Os investimentos da União, na faixa dos 2% do Produto Interno Bruto (PIB), é baixíssimo se comparados com as necessidades da economia brasileira.

Outro grave problema a ser jogado no colo do próximo governo é o estouro das contas consolidadas da Previdência Social. A soma do déficit da previdência do funcionalismo público com o déficit do INSS é uma bomba prestes a estourar e, mesmo sendo assunto explosivo e eivado mais de emoção do que racionalidade, trata-se de um buraco imenso que o país terá de encarar em futuro próximo. Com dor ou sem dor, o Brasil deverá discutir seus sistemas previdenciários e decidir o que fazer com a confusão armada nessa área. A expectativa média de vida do brasileiro já está ultrapassando os 72 anos de idade, o que é bom, mas esse fato exigirá reformulações estruturais no sistema de aposentadoria e pensões.

Ironicamente, o período eleitoral tem se revelado um mau momento para debater temas complexos e impopulares, pois não há um só candidato disposto a dizer qualquer frase capaz de desagradar a algum eleitor. Embora fosse útil o debate eleitoral aberto, que se prestasse a permitir avaliação das ideias dos candidatos, na prática ocorre o inverso. É durante as eleições que os temas complexos são evitados, e os candidatos que ousam fa­­lar sobre eles acabam por fazer promessas populistas e demagógicas, na tentativa de conquistar elei­­tores. Goste-se ou não, a democracia é isso. Mes­­mo nos Estados Unidos, país com bom nível de escolaridade média dos seus eleitores, o presidente Oba­­ma amarga queda na sua popularidade por ter induzido seus eleitores a acreditarem que ele tinha soluções mágicas para problemas complexos. Como nem ele nem ninguém têm varinha de soluções mágicas, a frustração está refletida nos baixos índices de aprovação do seu governo.

O Brasil é, hoje, um país muito melhor do que há 25 anos, quando foi eleito o primeiro presidente civil após o fim do regime militar. Isso não é obra de um único governo e, mesmo nos piores momentos do retorno à democracia, várias políticas corretas foram implementadas. O crescimento econômico, político e social é um processo histórico, sendo impossível creditar a um só governo os avanços e as melhorias. Os méritos de Lula serão reconhecidos pela História, como serão os méritos dos seus antecessores. Todos, porém, cometeram erros e equívocos, que a História também registrará.

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