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A Justiça deve ser equânime. Idealmente, as leis devem ser aplicadas da mesma maneira tanto aos simples quanto aos poderosos. Todas as pessoas, independentemente de sua origem, condição social, gênero ou posições políticas e religiosas devem ter acesso aos mesmos direitos e estar sujeitos aos mesmos deveres. Nesse sentido, o Judiciário brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer. Casos de cidadãos comuns submetidos ao rigor das leis enquanto poderosos permanecem ilesos são recorrentes, o que alimenta a ideia de que a Justiça é só para os "ladrões de galinha".

Talvez por isso o caso do mensalão tenha sido tão emblemático. Pela primeira vez a população pôde acompanhar com detalhes a investigação e o posterior julgamento de figuras do alto escalão, políticos de carreira, envolvidos com um dos maiores escândalos de corrupção nacional. Mesmo diante da desconfiança generalizada, que previa que o caso "não daria em nada", houve condenações e aplicação de penas. Os poderosos, enfim, também foram para trás das grades.

Mas por mais notórios que sejam os mensaleiros, eles devem ter acesso às mesmas prerrogativas concedidas a qualquer outro detento que cumpre pena nas mesmas condições. Por isso causa estranheza o empenho do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, em evitar que os condenados em regime semiaberto possam trabalhar fora da prisão. Nesta semana, Barbosa revogou a autorização para que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares trabalhasse durante o dia na sede da Central Única de Trabalhadores (CUT), onde cumpria expediente desde janeiro. Na semana passada, o ministro do STF já havia negado autorização para trabalho externo ao ex-ministro José Dirceu e cassado a licença que tinha sido concedida ao ex-deputado Romeu Queiroz e ao advogado Rogério Tolentino – todos condenados no mensalão.

O argumento em todos os casos foi o mesmo: a Lei de Execução Penal determina que o acesso ao direito de trabalho externo só é acessível aos condenados após o cumprimento de um sexto da pena. Na decisão contrária à solicitação de Dirceu, Barbosa escreveu que o pedido do mensaleiro era "absolutamente contrário aos fins da pena aplicada e às regras que disciplinam a execução penal em nosso ordenamento jurídico". Lei é lei e foi feita para ser cumprida e, examinado isoladamente, o argumento de Barbosa é válido. Mas o tratamento rigoroso dispensado aos mensaleiros não corresponde nem à prática usual nem à jurisprudência fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que desde 1999 adotou o entendimento de que a exigência do cumprimento de um sexto da pena vale apenas para presos em regime fechado, com pena superior a oito anos.

Certamente os mensaleiros não devem ter privilégios. Neste mesmo espaço já denunciamos a incoerência de se conceder regalias a presos como José Dirceu que, diferentemente de outros detentos da Penitenciária da Papuda, teria acesso a aparatos como televisão de tela plana, forno micro-ondas e telefone celular. Mas por outro lado também não podem ser tratado com excesso de rigorismo. Se em outros casos a Justiça entendeu que presos em regime semiaberto podem trabalhar fora da prisão sem ter de antes cumprir um sexto da pena, não é razoável que no caso de Dirceu, Delúbio e demais condenados pelo crime do mensalão não se aplique o mesmo entendimento. Uma Justiça isonômica não pode escolher a quem aplica as penas e nem a quem concede os benefícios da lei.

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