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O trauma provocado pelo episódio brutal da morte do garoto João Hélio Fernandes, de 6 anos, levantou um positivo debate em torno da violência e de meios para contê-la no Brasil – vítima hoje de uma escalada funesta e sem precedentes em sua história. O crime hediondo que vitimou a criança, no Rio, há uma semana e meia, aguçou as emoções. Temerosa e emocionada, a sociedade exige das instituições medidas duras para a redução dos absurdos índices de criminalidade que assombram o país.

A emoção, embora natural e inevitável diante da nova cena de horror que chocou a opinião pública, não é boa conselheira. Movidos por essa emoção ou na tentativa de aproveitar-se dela, afoitos políticos necessitados de holofotes, ONGs de pensamento primitivo e, alhures, igrejas, advogados, policiais, dirigentes públicos em geral apressam-se em formular sugestões, quase todas voltadas para a radicalização das leis, no mais das vezes de forma não condizente com o princípio da razoabilidade.

Pelo fato de no crime contra a vida do menino carioca ter havido a participação de menores delinqüentes, a mais freqüente das sugestões colocadas em debate defende a redução da maioridade penal na legislação brasileira. Pela lei vigente, a maioridade ocorre aos 18 anos e só a partir dessa idade autores de crimes podem ser alcançados em plenitude pelas rigorosas cominações do Código Penal. Se com idade inferior, os infratores são enquadrados no Estatuto da Criança e do Adolescente – pelo qual podem sair das instituições de recolhimento e voltar ao convívio social assim que completem a maioridade, ou seja, podem voltar a delinqüir livremente sem sofrer a penalização que a sociedade consideraria suficiente.

Trata-se de uma questão polêmica, que de fato merece debate profundo para se chegar a um consenso razoável. Entretanto, no nosso entendimento, este não é precisamente o tema fundamental para ser colocado no centro desse necessário debate. Há uma outra, preliminar a esta e a todas as demais sugestões levantadas nas últimas semanas. Na verdade, trata-se de uma condição indispensável para a eficácia de qualquer medida legal, seja ela qual for.

Referimo-nos ao problema da impunidade reinante no país. Não é por falta de leis – existem 8 milhões delas em vigência! – que o crime prospera, mas sim porque não são aplicadas. E não são aplicadas nem mesmo contra criminosos condenados, já com sentenças transitadas em julgado. Calcula-se em mais de 200 mil os sentenciados soltos nas ruas simplesmente porque não se consegue cumprir os mandados de prisão expedidos contra eles.

E isto ocorre ora porque falta estrutura policial, ora por absoluta leniência das autoridades ou, ainda, porque não há vagas suficientes nos presídios para abrigar tamanha multidão de condenados. Com a precariedade e a desumanidade tão conhecidas, os presídios brasileiros já estão superlotados com mais de 200 mil presos. "Caçar" os soltos equivaleria, portanto, a mais que dobrar a capacidade atual do sistema prisional.

Acrescente-se ao exame da impunidade outra observação: ela ocorre em tão grande escala não porque faltem leis que definam crimes e prevejam penas correspondentes – mas porque nossas polícias, quando investigam, investigam mal. Ou não se identificam autores de delitos ou se encaminham à Justiça inquéritos carentes de provas e de sofrível qualidade técnica, insuficientes para a condenação dos réus.

Na área judicial, são também bem conhecidas as razões que contribuem para impunidade. Repetimos: não faltam leis para punir criminosos; falta estrutura compatível no Judiciário, a começar pelo número de juízes, para vencer a lendária morosidade com que tramitam os processos que lhes cabem julgar. E morosidade, todos sabemos, equivale, na prática, à impunidade.

Que se vença primeiro, portanto, o que é mais crucial e urgente. A penalização e a ressocialização eficiente – inclusive de menores infratores – não depende de novas leis. Depende só de vontade política.

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